São Paulo, domingo, 06 de junho de 2010

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Alunos e prostitutas disputam espaço na av. Indianópolis

Muros de escola estadual na zona sul são usados como apoio para maquiagem de travestis à espera de clientes

Local é antigo reduto de prostituição na cidade, que cresceu nos últimos tempos; os alunos, de 15 a 19 anos, veem tudo


VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
MOACYR LOPES JÚNIOR
DE SÃO PAULO

Os muros da escola estadual Professor Alberto Levy não são bem uma penteadeira, mas servem de apoio para bolsas, casacos, sombrinhas, escovas e maquiagem.
Enquanto Rebeca, a dona da bolsa, acomoda o pênis para trás na calcinha fio-dental, escorada no portão, a sirene toca nervosa para que os alunos entrem na aula.
São 19h, carros buzinam, ônibus param no ponto e o tráfego é intenso na avenida Indianópolis (zona sul de São Paulo), um antigo reduto de prostituição de travestis.
Nos últimos tempos, o ponto cresceu e tomou o entorno do colégio. Os alunos -que têm entre 15 e 19 anos e estão no ensino médio- veem tudo: da negociação ao exibicionismo das partes sexuais para atrair os clientes.
As meninas dizem não poder andar sozinhas ou em grupos porque motoristas param para abordá-las.
"É comum ver os travestis pelados ou só de calcinha. Antes não ficavam na porta da escola, mas agora é direto", afirma Camila Santos, 19, aluna do 1º ano.
"No começo fiquei amedrontada. Eles não gostam de ser afrontados. Só de olhar nos ameaçam. Não sabemos mais o que fazer. Estou aqui há três anos e nunca houve nenhuma reunião para tentar resolver esse problema", diz Mercedes Ribeiro, professora de português.

PONTO VALORIZADO
Segundo os travestis, o ponto na escola é valorizado porque enfrentam menos violência e têm uma referência para dar aos clientes marcados por telefone.
Cobram de R$ 60 a R$ 150 -para carros importados e homens mais velhos é mais caro- por programas que não duram mais de 20 minutos num motel próximo ou nas ruas escuras do bairro.
"Os policiais até passam e mandam os travestis saírem, mas pouco tempo depois voltam", afirma Zuleide Barbosa, inspetora dos alunos.
Na porta da escola, o PM Romildo diz que "moralmente é errado", mas não pode levá-los à delegacia porque prostituição não é crime.
Para a doutora em Ciências Sociais Larissa Pelucio, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero da Unicamp, muitos deles gostariam de estar na escola e a "imagem de perigo e de ameaça é uma proteção".
"A escola poderia começar mostrando algo que os atraísse, mostrando que não é hostil. Mostrar o pênis é uma micropolítica de resistência e uma tentativa de se proteger", diz Pelucio.
A Secretaria da Educação do Estado diz que não há nada a fazer porque ocorre fora dos muros da escola.
O Conselho Municipal da Criança e do Adolescente afirma que o caso não é de atribuição do conselho tutelar. E o Ministério Público diz que age a partir de denúncia.
Em uma linha, a Polícia Militar diz que "intensificará o policiamento no local e realizará operações".
Na calçada do colégio, um travesti negocia um encontro ao celular. "Estou em frente à escola, de miniblusa preta e shorts jeans", diz.
A reportagem o aborda e pede um instante de conversa. "Só falo por dinheiro. Vai pagar?" Melhor não.


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