São Paulo, sábado, 06 de julho de 2002

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LETRAS JURÍDICAS

O Jardim Irene de cada um

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

A gestão democrática dos núcleos urbanos é um dos grandes princípios impostos -a contar da Constituição- pelo Estatuto da Cidade. Não se trata apenas de um princípio, mas de determinação essencial para orientar a política urbana, na qual devem interferir todos os interesses legítimos. Seu objetivo consiste em encontrar o termo médio que mais satisfaça as necessidades do povo, reduza diferenças e assegure, pelo menos, serviços públicos a todos os munícipes. Nisso, é bom notar, as metrópoles e os pequenos municípios são focos da mesma atenção.
O estatuto, conforme aqui se insistiu mais de uma vez, garante a gestão democrática da cidade (artigo 43) através de vários instrumentos, entre os quais se incluem órgãos colegiados de política urbana nos níveis nacional, estadual e municipal. É natural a interferência dos três segmentos de governo, porque nenhuma cidade é provida de auto-suficiência.
A verdadeira gestão democrática reclama participação vigorosa dos cidadãos, que se devem organizar, agrupar-se segundo interesses locais e regionais, para influir em debates, audiências, consultas e conferências públicas, tornados obrigatórios para a feitura e a aplicação das leis. Os subnúcleos populacionais de cada cidade que se derem ao "luxo" de se omitir serão certamente mandados a escanteio pelos que se mostrarem mais atuantes. E, por falar em escanteio, o jogador de futebol Cafu, capitão da seleção brasileira, deu exemplo de cidadania cuja importância transcende o âmbito do próprio Estatuto da Cidade. Pediu que, antes de receber a taça de campeão mundial, fosse escrito em sua camiseta "100% Jardim Irene". Do outro lado do planeta, chamou a atenção para um bairro pobre, do qual muitos paulistanos nunca tinham ouvido falar -estou nessa lista-, com sérios problemas urbanos, que luta pela melhora de suas condições e deseja implementos de infra-estrutura a que todo cidadão tem direito para realizar a exigência mínima de morar dignamente. O cidadão Marcos Evangelista de Moraes, conhecido no mundo como Cafu, mostrou a força da consciência social revelada, ele, que, além de tudo, mantém uma fundação em benefício da periferia em que nasceu e viveu até os 22 anos.
O Estatuto da Cidade aceita a iniciativa popular não só para projetos de lei como também para planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano, ampliando as formas de participação possíveis. Dois elementos são relevantes para dar força à integração dos cidadãos. O primeiro deles é o processo penal contra administradores que ofendam o estatuto, sujeitando-os a penas severas. O segundo está no artigo 44, pelo qual a gestão orçamentária participativa municipal incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e do Orçamento anual como condição obrigatória para sua aprovação.
O cidadão terá a possibilidade de se manifestar sobre a vinculação dos gastos no Orçamento e sua aplicação no curso de cada exercício fiscal. A regra vale para cidades, regiões metropolitanas e mesmo aglomerações urbanas. A obrigatória e significativa participação dos cidadãos e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade irá garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania. Se cada cidadão dedicar parte do tempo útil e de esforço leal ao "seu" Jardim Irene, aproveitando o exemplo de Cafu, a cidade será melhor. Para todos.



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