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Preso içado pelo teto expõe caos em prisão
Na penitenciária de Araraquara (SP), 1.600 detentos, muitos doentes, estão confinados em espaço erguido para abrigar 160
Local teve portas soldadas após destruição em motim; comida é dada pelo telhado, e condenado estuda tirar dente de colega com prego
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A ARARAQUARA (SP)
MARLENE BERGAMO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICA
A Justiça manda soltar o rapaz de 120 quilos, preso no
Centro de Detenção Provisória
de Araraquara. Agentes penitenciários tremem. Como a
porta da cadeia está selada a
solda desde a rebelião do dia 16
de junho, eles já sabem: o único
jeito de tirá-lo de lá é pelo teto,
içando-o por mais de quatro
metros até uma grade. A "pescaria" quase acaba em tragédia,
quando os quatro agentes encarregados da missão, sem
agüentar o peso, soltam o "peixão", que se estatela no chão.
Embaixo, 1.600 homens
acompanham o resgate, que dá
certo. São 1.600 homens confinados em 600 metros quadrados, uma construção projetada
para abrigar 160. Quase três por
metro quadrado. Até ontem,
quatro presos conseguiram sair
içados do local.
Ali dentro, não há um só
agente penitenciário. Eles saíram depois de um quebra-quebra, fecharam a porta e lacraram-na. Nem chave há.
A alimentação é jogada por
cima, todos os dias às 11h e às
17h, pela mesma grade por onde saiu o preso gordinho. Banheiros há 13, ou 123 aparelhos
excretores para cada privada. A
saída é defecar em sacos plástico (várias vezes em um mesmo
saco), que são empilhados em
um canto do local. Não há luz.
Mas o local está limpo, como
afirma um preso. "Tem muito
ferido, não dá para ser um chiqueiro, ou morre todo mundo
de infecção." Brigas entre os
homens também não se têm registrado. "O sofrimento gera
uma solidariedade", diz outro.
Muitos presos estão doentes.
Outros estão ficando. Mantidos
seminus, dispõem apenas de
cobertas finas e são obrigados a
dormir uns encostados nos outros. Foi o jeito que deram para
contornar a temperatura na casa dos 10C.
Há 15 dias, denuncia um preso, uma incursão da tropa de
choque deixou 60 homens feridos a bala -só parte delas de
borracha. Como o médico do
CDP se recusou a entrar na prisão, o jeito foi apelar para o prisioneiro mais célebre, o médico
Hosmany Ramos, discípulo de
Ivo Pitanguy, ex-cirurgião plástico de socialites, condenado
em 1981 por homicídio, roubo,
tráfico e contrabando.
O diretor do local, Roberto
Medina, manda descer antibióticos (benzetacil), xaropes, linhas e agulhas de sutura, e Ramos ministra-os aos doentes.
Ele dorme duas horas por dia, a
cabeça apoiada nos remédios.
Na semana passada, Hosmany discutia com companheiros a possibilidade de arrancar
o dente podre de um detento,
usando prego e um sapato como martelo -a direção da cadeia não lhe forneceu boticão.
A situação em Araraquara
chegou a este ponto após uma
série de rebeliões que destruíram quatro pavilhões da penitenciária (construída para 950
presos, tinha 1.300) e a maior
parte do Centro de Detenção
Provisória (construído para
540 presos, tinha 600). A direção do presídio transferiu pequena parte dos presos e juntou todos em um setor do CDP,
o que comporta apenas 160.
Com a medida, reuniram-se
presos sem condenação a outros, com penas severas; jovens
a idosos; saudáveis a doentes de
todos os tipos -soropositivos,
doentes de hepatite que já não
andam, feridos a bala, cerca de
30 tuberculosos, quatro presos
em cadeiras de rodas, muitos
gripados e hipertensos.
De dentro da cadeia, os presos escutam os gritos das mulheres que, do lado de fora, chamam por eles, em busca de informações. Mas não conseguem responder, vigiados que
estão pelos agentes e guardas.
Há 20 dias, a direção da penitenciária se recusa a informar o
que ocorre intramuros. Ontem,
a Pastoral Carcerária e a Comissão de Direitos Humanos
da OAB (Ordem dos Advogados
do Brasil) programaram uma
inspeção. Já tinham a autorização judicial, mas foram impedidos de entrar.
O ofício do juiz foi enviado
ontem à Secretaria da Administração Penitenciária, que deverá autorizar o ingresso, espera-se, amanhã.
Segundo agentes penitenciários de Araraquara, não há previsão sobre quando a situação
dos presos se normalizará. As
obras de reforma ainda não se
iniciaram e não se planeja
transferência de detentos.
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