São Paulo, quinta-feira, 06 de julho de 2006

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Preso içado pelo teto expõe caos em prisão

Na penitenciária de Araraquara (SP), 1.600 detentos, muitos doentes, estão confinados em espaço erguido para abrigar 160

Local teve portas soldadas após destruição em motim; comida é dada pelo telhado, e condenado estuda tirar dente de colega com prego


LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A ARARAQUARA (SP)

MARLENE BERGAMO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICA

A Justiça manda soltar o rapaz de 120 quilos, preso no Centro de Detenção Provisória de Araraquara. Agentes penitenciários tremem. Como a porta da cadeia está selada a solda desde a rebelião do dia 16 de junho, eles já sabem: o único jeito de tirá-lo de lá é pelo teto, içando-o por mais de quatro metros até uma grade. A "pescaria" quase acaba em tragédia, quando os quatro agentes encarregados da missão, sem agüentar o peso, soltam o "peixão", que se estatela no chão.
Embaixo, 1.600 homens acompanham o resgate, que dá certo. São 1.600 homens confinados em 600 metros quadrados, uma construção projetada para abrigar 160. Quase três por metro quadrado. Até ontem, quatro presos conseguiram sair içados do local.
Ali dentro, não há um só agente penitenciário. Eles saíram depois de um quebra-quebra, fecharam a porta e lacraram-na. Nem chave há.
A alimentação é jogada por cima, todos os dias às 11h e às 17h, pela mesma grade por onde saiu o preso gordinho. Banheiros há 13, ou 123 aparelhos excretores para cada privada. A saída é defecar em sacos plástico (várias vezes em um mesmo saco), que são empilhados em um canto do local. Não há luz.
Mas o local está limpo, como afirma um preso. "Tem muito ferido, não dá para ser um chiqueiro, ou morre todo mundo de infecção." Brigas entre os homens também não se têm registrado. "O sofrimento gera uma solidariedade", diz outro.
Muitos presos estão doentes. Outros estão ficando. Mantidos seminus, dispõem apenas de cobertas finas e são obrigados a dormir uns encostados nos outros. Foi o jeito que deram para contornar a temperatura na casa dos 10C.
Há 15 dias, denuncia um preso, uma incursão da tropa de choque deixou 60 homens feridos a bala -só parte delas de borracha. Como o médico do CDP se recusou a entrar na prisão, o jeito foi apelar para o prisioneiro mais célebre, o médico Hosmany Ramos, discípulo de Ivo Pitanguy, ex-cirurgião plástico de socialites, condenado em 1981 por homicídio, roubo, tráfico e contrabando.
O diretor do local, Roberto Medina, manda descer antibióticos (benzetacil), xaropes, linhas e agulhas de sutura, e Ramos ministra-os aos doentes. Ele dorme duas horas por dia, a cabeça apoiada nos remédios.
Na semana passada, Hosmany discutia com companheiros a possibilidade de arrancar o dente podre de um detento, usando prego e um sapato como martelo -a direção da cadeia não lhe forneceu boticão.
A situação em Araraquara chegou a este ponto após uma série de rebeliões que destruíram quatro pavilhões da penitenciária (construída para 950 presos, tinha 1.300) e a maior parte do Centro de Detenção Provisória (construído para 540 presos, tinha 600). A direção do presídio transferiu pequena parte dos presos e juntou todos em um setor do CDP, o que comporta apenas 160.
Com a medida, reuniram-se presos sem condenação a outros, com penas severas; jovens a idosos; saudáveis a doentes de todos os tipos -soropositivos, doentes de hepatite que já não andam, feridos a bala, cerca de 30 tuberculosos, quatro presos em cadeiras de rodas, muitos gripados e hipertensos.
De dentro da cadeia, os presos escutam os gritos das mulheres que, do lado de fora, chamam por eles, em busca de informações. Mas não conseguem responder, vigiados que estão pelos agentes e guardas.
Há 20 dias, a direção da penitenciária se recusa a informar o que ocorre intramuros. Ontem, a Pastoral Carcerária e a Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) programaram uma inspeção. Já tinham a autorização judicial, mas foram impedidos de entrar.
O ofício do juiz foi enviado ontem à Secretaria da Administração Penitenciária, que deverá autorizar o ingresso, espera-se, amanhã.
Segundo agentes penitenciários de Araraquara, não há previsão sobre quando a situação dos presos se normalizará. As obras de reforma ainda não se iniciaram e não se planeja transferência de detentos.


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