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PASQUALE CIPRO NETO
Roma e Lisboa
Seria um belo embate futebolístico entre a mãe da nossa civilização -Roma- e Portugal, cujo idioma é...
OS DEUSES DA BOLA não quiseram que Lisboa e Roma se
enfrentassem em solo tedesco. Paciência. Meu sangue italiano e
meu coração luso-ítalo-brasileiro lamentam muito -já lamentavam o
vexame verde-amarelo de sábado;
agora lamentam a ausência de Portugal na decisão do título. Nada contra os gauleses, por favor, especialmente porque o supermestre Zidane da Guia está entre "les bleus" ("os
azuis"), como dizem os franceses
quando reverenciam seus craques.
Parodiando o poeta chileno Pablo
Neruda ("Pobre de quem finca raízes em dois lugares: sofre duas vezes"), eu diria que sofro um pouco
mais: sofro três vezes. Agora me resta a Azzurra! Então, viva a Azzurra!
Posto isso, vou fingir que Portugal
e Itália estarão em campo domingo,
em Berlim, para que relembremos
um pouco da viagem lingüística que
Olavo Bilac engendra no memorável
poema "Língua Portuguesa", publicado no livro "Tarde", de 1919: "Última flor do Lácio, inculta e bela / És a
um tempo esplendor e sepultura...".
A que se refere Bilac na passagem
"última flor do Lácio"? O que é o Lácio (com inicial maiúscula)? Trata-se da região da Itália em que fica Roma, berço do Império Romano e do
latim, língua-mãe da nossa, do italiano, do espanhol, do francês, do catalão, do galego etc. Bilac cita a língua
portuguesa como a mais jovem das
filhas do latim, ou seja, como a última flor do Lácio (que, em italiano, é
"Lazio" -lê-se "látsio"- e em latim
é "latium"). Como se vê, nossa língua portuguesa é uma das que integram o grupo das neolatinas.
Quando os romanos acharam que
Roma era pouco e resolveram expandir seu império para boa parte
da Europa, do norte da África etc., o
latim começou sua longa viagem.
Um dos destinos do périplo romano
foi a bela Lisboa (que já se chamou
Ulissipona -segundo a lenda, foi
fundada por Ulisses). Não é por acaso que ulissiponense é um dos adjetivos relativos à capital de Portugal.
Na antológica letra de ""Língua",
Caetano Veloso faz referência ao
poema de Bilac e "atualiza" a cena:
"Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó / O que quer / O
que pode esta língua?". No trecho
"Flor do Lácio Sambódromo", Caetano também fala da viagem da língua: vai do berço do português
("Flor do Lácio") ao português do
Brasil de hoje, presente na citação
do termo "sambódromo" (formado
por um elemento africano -"samba"- e um grego -"dromo"). Em
míseras linhas, Caetano percorre
2.000 anos da nossa história.
Pois essa história poderia viver
mais um capítulo no próximo domingo. Seria um embate futebolístico entre a mãe da nossa civilização
-Roma- e Portugal, cujo idioma é...
Bem, é melhor citar José Saramago:
"Penso que não há propriamente
uma língua portuguesa; há línguas
em português". Uma dessas "línguas
em português" decerto é a nossa.
Mas voltemos ao poema de Bilac:
"Amo o teu viço agreste e o teu aroma / De virgens selvas e de oceano
largo! Amo-te, ó rude e doloroso
idioma, / Em que da voz materna
ouvi: "meu filho!", / E em que Camões chorou, no exílio amargo, / O
gênio sem ventura e o amor sem brilho!". "Viço agreste", "virgens selvas" e "oceano largo" se referem ao
nosso português, que já ganhava cores e odores próprios. É isso.
inculta@uol.com.br
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