São Paulo, quinta-feira, 06 de julho de 2006

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PASQUALE CIPRO NETO

Roma e Lisboa

Seria um belo embate futebolístico entre a mãe da nossa civilização -Roma- e Portugal, cujo idioma é...

OS DEUSES DA BOLA não quiseram que Lisboa e Roma se enfrentassem em solo tedesco. Paciência. Meu sangue italiano e meu coração luso-ítalo-brasileiro lamentam muito -já lamentavam o vexame verde-amarelo de sábado; agora lamentam a ausência de Portugal na decisão do título. Nada contra os gauleses, por favor, especialmente porque o supermestre Zidane da Guia está entre "les bleus" ("os azuis"), como dizem os franceses quando reverenciam seus craques.
Parodiando o poeta chileno Pablo Neruda ("Pobre de quem finca raízes em dois lugares: sofre duas vezes"), eu diria que sofro um pouco mais: sofro três vezes. Agora me resta a Azzurra! Então, viva a Azzurra!
Posto isso, vou fingir que Portugal e Itália estarão em campo domingo, em Berlim, para que relembremos um pouco da viagem lingüística que Olavo Bilac engendra no memorável poema "Língua Portuguesa", publicado no livro "Tarde", de 1919: "Última flor do Lácio, inculta e bela / És a um tempo esplendor e sepultura...".
A que se refere Bilac na passagem "última flor do Lácio"? O que é o Lácio (com inicial maiúscula)? Trata-se da região da Itália em que fica Roma, berço do Império Romano e do latim, língua-mãe da nossa, do italiano, do espanhol, do francês, do catalão, do galego etc. Bilac cita a língua portuguesa como a mais jovem das filhas do latim, ou seja, como a última flor do Lácio (que, em italiano, é "Lazio" -lê-se "látsio"- e em latim é "latium"). Como se vê, nossa língua portuguesa é uma das que integram o grupo das neolatinas.
Quando os romanos acharam que Roma era pouco e resolveram expandir seu império para boa parte da Europa, do norte da África etc., o latim começou sua longa viagem.
Um dos destinos do périplo romano foi a bela Lisboa (que já se chamou Ulissipona -segundo a lenda, foi fundada por Ulisses). Não é por acaso que ulissiponense é um dos adjetivos relativos à capital de Portugal. Na antológica letra de ""Língua", Caetano Veloso faz referência ao poema de Bilac e "atualiza" a cena: "Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó / O que quer / O que pode esta língua?". No trecho "Flor do Lácio Sambódromo", Caetano também fala da viagem da língua: vai do berço do português ("Flor do Lácio") ao português do Brasil de hoje, presente na citação do termo "sambódromo" (formado por um elemento africano -"samba"- e um grego -"dromo"). Em míseras linhas, Caetano percorre 2.000 anos da nossa história.
Pois essa história poderia viver mais um capítulo no próximo domingo. Seria um embate futebolístico entre a mãe da nossa civilização -Roma- e Portugal, cujo idioma é...
Bem, é melhor citar José Saramago: "Penso que não há propriamente uma língua portuguesa; há línguas em português". Uma dessas "línguas em português" decerto é a nossa. Mas voltemos ao poema de Bilac: "Amo o teu viço agreste e o teu aroma / De virgens selvas e de oceano largo! Amo-te, ó rude e doloroso idioma, / Em que da voz materna ouvi: "meu filho!", / E em que Camões chorou, no exílio amargo, / O gênio sem ventura e o amor sem brilho!". "Viço agreste", "virgens selvas" e "oceano largo" se referem ao nosso português, que já ganhava cores e odores próprios. É isso.


inculta@uol.com.br

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