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São Paulo, quarta-feira, 06 de agosto de 2003

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URBANIDADE

A invenção da Hip Hopera

Ilustração Vincenzo Scarpellini
RUA DIREITA As tropas aliadas avançam. Conquistam a calçada, palmo a palmo, para liberá-la do comércio irregular. Sem os ambulantes (por enquanto em retirada), o espaço público é devolvido a seus antigos donos, os passeantes. Mas é como levantar o lençol que cobre os fantasmas: agora aparece o espetro de uma rua devorada pelas truculentas insígnias do comércio regular. (VINCENZO SCARPELLINI)


GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Um dos mais importantes centros de pesquisa psiquiátrica do país, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), há anos, receita a música para tratar vítimas do abuso das drogas -e resolveu agora fazer a inusitada junção de estilos tão distantes como a ópera e o rap.
Para cuidar dos adolescentes vítimas das drogas e aumentar a auto-estima deles, o Projeto Quixote, da Unifesp, emprega a cultura hip hop, combinação de dança break com rap e grafite, trazendo a rua para dentro dos consultórios. "O desafio é aproximar o erudito do popular", comenta o psiquiatra Auro Danny Lescher, coordenador do Projeto Quixote, que, no passado, fez doentes mentais virarem atores no Grupo Birutas das Artes Cênicas.
Lescher imaginou que a ópera com a estrutura discursiva do rap seria o recurso ideal para que os jovens contassem a vivência com as drogas e com a violência das ruas. Nos seus primórdios, por retratarem os dramas do cotidiano, as óperas eram espetáculos populares. "As árias vão dar lugar aos raps, resgatando as histórias de vida dos participantes e a sua auto-estima sem perder o foco principal da cultura hip hop, que é a contestação", propõe Lescher.
Nasce, assim, o estilo "hip hopera" - numa mistura de ritmos e de profissionais. Além de psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais, entraram na experiência psiquiatras, atores, músicos e artistas plásticos. As aulas de vídeo -o plano é filmar o espetáculo- são dadas por Cao Hamburguer, um dos criadores do mundialmente premiado "Castelo Rá-Tim-Bum".
Encarar a arte popular como um remédio sempre fez parte das experiências do Projeto Quixote, nascido em meio à epidemia de crack que se espalhou pela cidade na década de 90. Até então, nem os especialistas em saúde pública nem, muito menos, a polícia sabiam lidar com essa epidemia, que espalhava morte e violência. O ritmo das ruas, trazido para dentro dos consultórios, era um jeito de atrair os adolescentes, sempre desconfiados de tudo o que parecesse público ou ligado ao governo. Com base nessa combinação entre arte, rua e terapia, Lescher entendeu uma frase que leu do educador Paulo Freire, para quem "a boniteza tem de estar de mãos dadas com a decência em qualquer processo educativo".

E-mail - gdimen@uol.com.br


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