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LETRAS JURÍDICAS
Renúncia ao mandato para fugir da cassação
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
A s leis penais reconhecem
que, apesar da gravidade
de certos delitos comuns, a pena
correspondente ao crime não deve ser aplicada. Em certos casos,
as atenuantes contribuem para
sua substancial diminuição. Em
outros, para resumir o essencial,
houve o delito, a pena foi imposta
ou pode vir a sê-lo, mas o direito
punitivo do Estado deixou de
existir, por prescrição (cessa o direito de ação), decadência (extingue-se o próprio direito de punir),
ou perempção (esgotou-se o prazo
em que a queixa era viável).
Assim, nem sempre o criminoso
é punido. Os exemplos ilustram
indiretamente o debate da semana sobre renúncias a mandatos
parlamentares como meio de impedir a cassação, da qual resultaria a inelegibilidade em nova eleição. Acolher a renúncia é bom ou
é ruim?
Penso que é ruim. Muito ruim e
porque os critérios de inelegibilidades previstos pela lei complementar nº 64/90 facilitam a vida
dos acusados hoje em foco, sob o
risco de perderem mandatos. A
inelegibilidade se destina a punir
envolvidos em condutas as mais
diversas. Compreendem desde
procedimento ofensivo do decoro
parlamentar até condenação criminal por sentença definitivamente julgada, por crime contra a
economia popular, a fé e a administração públicas, o patrimônio
público, o mercado financeiro,
pelo tráfico de entorpecentes e por
crimes eleitorais.
Havendo condenação criminal,
a pena se estende a um prazo próximo de oito anos subseqüentes
ao término da legislatura.
Apesar da aparente dureza, na
prática o resultado é pobre. O
prazo dos processos pode ser estendido por muitos anos, durante
os quais o político continua no
exercício de suas funções, até porque a longa demora facilita a absolvição. Isso explica a causa de
serem raras as carreiras políticas
interrompidas por penas criminais -circunstância que, em São
Paulo, é especialmente notória.
Dir-se-ia que, se o punido volta
a ser eleito pelo povo, deve ter seu
mandato respeitado, pois o povo é
dono de todo poder. O atual
exemplo do "mensalão", em que o
poder corruptor "contrata" permanentemente o político, "alugando" sua adesão para os casos
presentes e futuros, mostra o perigo. A corrupção do varejo passou
ao atacado.
Os clássicos casos legais de inelegibilidade são estranhos aos que
hoje agitam o noticiário e explicam a preocupação com o assunto. O ordenamento é severo, para
as providências cabíveis contra a
ilicitude, mas mesmo assim o resultado final é demorado ou inútil, apesar da exemplar agilidade
da Justiça Eleitoral.
A lei complementar nº 64 tem
regra específica (artigo 19) sobre o
que denomina "transgressões pertinentes à origem de valores pecuniários, abuso do poder econômico ou político".
Em matéria de "valores pecuniários" vemos que apuração e
punição não protegem "a normalidade e legitimidade das eleições", quando a renúncia ao
mandato permite fugir à cassação. A remessa posterior dos autos ao Ministério Público Eleitoral para instauração de processo-crime não melhora a avaliação.
A solução estaria no cumprimento mais severo do parágrafo
4º do artigo 55 da Carta Magna,
pelo qual a renúncia de parlamentar acusado, por fato que leve
ou possa levar à perda do mandato, terá seus efeitos suspensos até
as deliberações finais do processo
instaurado de julgamento do faltoso. Para terminar, há uma
curiosidade histórica: quem assinou a lei complementar nº 64/90,
com as normas que acabo de
resumir, foi o ex-presidente
Fernando Collor.
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