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Matador de Riga passou pelo Rio e por SP
Depois de obter visto na França, Herbert Cukurs viveu também na cidade de Santos, no litoral paulista; corpo foi achado em Montevidéu, com marteladas na cabeça, em 1965
DA REPORTAGEM LOCAL
Os judeus radicados no Rio
de Janeiro não acreditaram no
que viram em 1948: o letão que
comandara massacres em Riga
agora cuidava de pedalinhos na
praia de Icaraí, em Niterói.
A polícia de São Paulo não foi
a primeira a saber das acusações de que Herbert Cukurs havia sido um aliado nazista na
Segunda Guerra Mundial. No
Rio de Janeiro, Cukurs enfrentou uma plêiade de acusações
que resultou na sua fuga da cidade em meados dos anos 1950,
quando trocou o Rio de Janeiro
por Santos (litoral de SP).
Cukurs havia obtido um visto
para imigrar para o Brasil no
consulado de Marselha, na
França, em 1946. No Rio, onde
chegou no domingo de Carnaval desse mesmo ano, inventou
um novo negócio, segundo seu
filho Gunars: os pedalinhos.
Icaraí, Urca, Copacabana e lagoa Rodrigo de Freitas abrigaram pedalinhos e até um restaurante flutuante de Cukurs.
Gunars diz que as denúncias
dos judeus do Rio de Janeiro
contra o seu pai, que tiveram
seu ápice em 1950, possuíam
alguma relação com o sucesso
de seus negócios. "Aí apareceram nos jornais comunistas as
reportagens dizendo que meu
pai era um carrasco nazista",
afirma o filho.
O dossiê de Herbert Cukurs
mantido pelo Dops de São Paulo mostra uma cronologia completamente diferente. Os primeiros relatos de que Cukurs
teria participado dos massacres
de Riga datam de 1946. Em 23
de maio desse ano, em Paris,
Anthony Landau e Gustav Joffe
prestam uma declaração juramentada, na qual dizem: "O
"Obersturmführer" [cargo de
comando na hierarquia da SS,
grupo de ataque nazista] Herbert Cukurs, de nacionalidade
letã, está atualmente no Brasil,
no Rio de Janeiro. [...] Sob seu
comando, milhares de vítimas
foram assassinadas nas províncias da Letônia; ele foi também
um dos organizadores e executores na época da liqüidação do
gueto de Riga".
Em depoimentos prestados
na Alemanha em 1948, Cukurs
é acusado de ter profanado o
cemitério judaico de Riga, de
ter incendiado a sinagoga da cidade com cerca de 300 judeus
dentro e de ter assassinado
crianças na floresta de Rumbala. O dossiê do Dops reúne seis
depoimentos contra Cukurs de
judeus que sobreviveram aos
massacres naquela cidade.
A documentação mostra que
a polícia não moveu uma palha
para investigar a veracidade
das acusações.
Herói e amigo da polícia
As amizades de Cukurs no
Brasil talvez ajudem a entender
por que a polícia não o investiga
em nenhum momento. O ex-capitão freqüentava os círculos
da Aeronáutica no Rio, cidade
onde desembarcou com um
emprego na FAV (Fábrica Brasileira de Aviões), que conseguira quando estava na França.
Militares do governo de Eurico Gaspar Dutra ficaram ao lado de Cukurs quando judeus
escreveram pichações nas casas em que eles alugavam pedalinhos no Rio em 1950, segundo
seu filho Gunars. "Um grupo de
generais e brigadeiros foi até a
minha casa e disse para o meu
pai: "Você cometeu um único
erro". Meu pai quis saber qual
era o erro e um general disse:
"Você deveria ter matado todos
os judeus'".
Cukurs tinha obtido o emprego na FAV porque era um
herói da aviação na Letônia e
membro honorário do Aeroclube da França. Ele gostava de repetir que escolhera o Brasil para viver depois da 2ª Guerra por
causa de Santos Dumont.
Entre 1924 e 1936, Cukurs
projetou três aviões e fez vôos
que foram considerados históricos para a Gâmbia, na África,
e para Tóquio. Era chamado de
o "Charles Lindbergh" letão,
em referência ao piloto norte-americano que cruzara o Atlântico em 1927. Entre 1933 e 1934,
Cukurs voou de Riga à Gâmbia
e voltou no mesmo avião. Demorou nove meses para cumprir os 20 mil quilômetros, distância de ida e volta.
O delegado do Dops paulista
encarregado de proteger Cukurs em 1960, Alcides Cintra
Bueno, acabou por tornar-se
amigo do ex-capitão.
Cintra Bueno voltaria ao noticiário depois do fim da ditadura militar (1964-1985), quando organizações de direitos humanos passaram a divulgar que
o delegado era um dos responsáveis pelo desaparecimento
dos corpos dos adversários do
regime. Ele também foi acusado de forjar casos de suicídio
em guerrilheiros que haviam
sido torturados.
A proteção policial a Cukurs
tinha também o objetivo de evitar que se repetisse no Brasil o
que havia ocorrido na Argentina. Em 11 de maio de 1960,
Adolf Eichmann (1906-1962),
que chefiara o Departamento
para Assuntos Judaicos da Gestapo, foi seqüestrado em Buenos Aires por agentes do serviço secreto de Israel que haviam
invadido o território argentino.
Em 1962, foi enforcado após
um dos mais rumorosos julgamentos de criminosos de guerra. A polícia dizia ser uma questão de honra evitar que algo do
gênero ocorresse no Brasil.
Por conta do barulho provocado pelo caso Cukurs, o presidente Juscelino Kubitschek indeferiu em setembro de 1960 o
seu pedido de naturalização. O
ministro da Justiça de JK, Armando Falcão, classificou a naturalização de Cukurs, da mulher e de uma filha de "inconveniente". Fez uma ressalva, porém: "sem embargo da proteção que lhes é devida".
Cabeça martelada
Cukurs não teve direito a um
julgamento como Eichmann.
Foi assassinado brutalmente
em Montevidéu, com marteladas na cabeça e tiros, por um
grupo que se autodenominava
"Aqueles que Não Esquecem",
segundo um comunicado enviado à imprensa com a data de
24 de fevereiro de 1965. Seu
corpo estava dentro de um baú.
O grupo seria formado por
agentes do Mossad.
Gunars, um dos filhos de Cukurs, conta que o austríaco Anton Künzle começou a freqüentar sua casa um ano antes do assassinato. Seduziu seu pai com
a conversa de que arrumaria financiamento para um empreendimento que ele queria
fazer no Brasil, no qual os sócios poderiam usar aviões, barcos e iates de um clube.
Foi em busca desse financiamento que Cukurs viajou para
o Uruguai. O delegado que o
protegera, Alcides Cintra Bueno, foi contra a viagem, segundo o filho de Cukurs. Disse que
ele era louco de sair do país.
Há dois anos, grupos nacionalistas e neonazistas da Letônia tentaram reabilitar Cukurs.
Imprimiram um cartão em que
ele aparecia como herói nacional pelos seus feitos na aviação.
O caso gerou um incidente com
Israel. Pressionada pelo governo israelense, a presidente da
Letônia, Vaira Vike-Freiberga,
condenou a atitude dos nacionalistas, em um reconhecimento implícito de que Cukurs era
um criminoso de guerra.
Gunars, o filho que zela pela
memória do pai, diz que esse tipo de atitude era esperado de
Vaira, uma mulher que chegou
ao poder na Letônia por um
partido socialista. "Na Letônia,
você vai preso se chamar judeu
de judeu. Tem de chamar de senhor hebreu. O que você pode
esperar de um país assim ?"
(MARIO CESAR CARVALHO e LEANDRO BEGUOCI)
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