São Paulo, quinta-feira, 06 de agosto de 2009

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PASQUALE CIPRO NETO

"...que as engula e as digira..."


A "aula" foi dada pelo ex-presidente Fernando A. C. de Mello (PTB-AL), que, arfante e com olhar aquilino, disse...

O BATE-BOCA no Senado continua! E de alto, altíssimo nível! Até formas inusuais do presente do subjuntivo de verbos irregulares e barrocas construções pleonásticas foram usadas na última segunda-feira por membros da tropa de choque de José Sarney.
A "aula" foi dada pelo ex-presidente Fernando A. C. de Mello (PTB-AL), que, arfante, com olhar aquilino, disse o seguinte ao senador Pedro Simon (PMDB-RS): "São palavras que eu quero que o senhor as engula e as digira como julgar conveniente". Depois, Simon disse que sentiu medo do olhar de Mello e que lhe vieram à lembrança certos fatos de um outro Mello, o Mello pai, que, em 1963, em pleno plenário do Senado e no melhor estilo jagunço...
Pois bem. Como se explica a forma verbal "digira" de "...quero que o senhor as engula e as digira"? Trata-se de flexão do verbo "digerir", cujo presente do indicativo começa com "eu digiro, tu digeres, ele digere...".
Como se vê, na primeira pessoa do singular ocorre a terminação "-iro", presente em todos os verbos terminados em "-erir" (preferir, ferir, gerir, proferir, deferir, diferir, aderir, conferir, referir, interferir etc.): eu prefiro, firo, giro, profiro, defiro, difiro, adiro, confiro, refiro, interfiro.
Como o leitor deve saber, o presente do subjuntivo se baseia integralmente na primeira pessoa do singular do presente do indicativo: de "eu ouço", faz-se "que eu ouça, que tu ouças, que ele ouça, que nós ouçamos..."; de "eu faço", faz-se "que eu faça..."; de "eu firo", faz-se "que eu fira..."; de "eu repilo" (argh!), faz-se "que eu repila..."; de "eu compito" (argh!), faz-se "que eu compita" etc.
A inusualidade de formas como "digiro" torna "estranha" a flexão "digira", do presente do subjuntivo, tempo por si só ausente do repertório de boa parte dos falantes. De fato, são muito comuns em determinados grupos sociais construções como "Quero que vocês almoçam lá" ou, já no imperativo (modo verbal derivado do presente do subjuntivo), "Almoçam aqui!". Nos dois casos, o falante simplifica empregando a forma do presente do indicativo.
Cabe aproveitar a ocasião para lembrar um caso interessante. Como vimos, a primeira pessoa do singular do presente do indicativo de "gerir" é "eu giro", que apresenta a terminação de todos os verbos que acabam em "-erir". Bem, as flexões seguem assim: "tu geres, ele gere, nós gerimos, vós geris, eles gerem".
Como se sabe, "gerir" significa "dirigir", "administrar", "gerenciar", "exercer gerência sobre". O gerente nada mais é do que aquele que gere e, se gere bem, gera bons frutos. E "gera" é do verbo "gerar", cujo presente do indicativo começa com "eu gero, tu geras, ele gera...".
Não falta um verbo nessa patota? Falta sim: "girar", que, aliás, tem relação direta com o mundo do gerenciamento e da geração de negócios (quando se gere bem, geram-se frutos, e a roda dos negócios gira).
O presente do indicativo do verbo "girar" começa com "eu giro", forma igualzinha à da primeira pessoa do singular do presente do indicativo de "gerir". Depois, obviamente a coisa muda: "eu giro, tu giras, ele gira, nós giramos, vós girais, eles giram".

 

A última moda da internet, o Twitter, gera problemas para muitas pessoas públicas. É o meu caso. Há um Twitter falso em meu nome. Não tenho Twitter. Não tenho blog. Não tenho Orkut. É tudo falso. É isso.

inculta@uol.com.br


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