São Paulo, quinta, 6 de agosto de 1998

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Culpado sem julgamento

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

Pesa sobre o motoboy, acusado de estupro e morte violenta de várias mulheres, a ameaça de ser condenado por esses crimes hediondos, antes de seu julgamento, graças ao escândalo da mídia.
As experiências da Escola Base e do Bar Bodega, que pareciam destinadas a produzir salutares efeitos de prudência nos meios de comunicação social, não bastaram.
O lento aprendizado sobre a importância das regras da Constituição e de seu respeito mostra-se falho, quase inútil, quando se trata de resguardar a presunção de inocência.
Ela vem prevista no inciso 57 do artigo 5º, que diz: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". No caso do motoboy, considerado o "maníaco do parque", pouco importa agora que seja culpado ou inocente, ante o apedrejamento moral do noticiário sensacionalista.
A razão pela qual o constituinte introduziu o mencionado inciso no texto da Carta Magna é que a vida, a honra e a imagem das pessoas são valores fundamentais a serem preservados por meio da plena defesa. Correspondem à melhor garantia dos inocentes.
Sempre que se aceite a primeira versão policial, comete-se o deslize de contribuir para a punição irreparável, sem processo, pela negação da oportunidade de sustentar as razões contrárias às da acusação.
Não adianta bater no peito mais tarde, proclamando-se arrependido, quando surgirem versões em sentido diferente.
O prejuízo do corpo social nasce toda vez que a presunção de inocência for sacrificada. Impede o julgamento justo, com o respeito do devido processo legal. Sacrifica o direito de defesa aberto a todos, culpados ou inocentes.
Está na hora de aprendermos, jornalistas e sociedade, que a norma constitucional deve permanecer enraizada na consciência de todos, porque protege a cidadania em sua inteireza.
A força dessa convicção vale sempre, ainda que, no caso do motoboy ele, afinal, venha a ser condenado pela Justiça. Até lá, porém, o linchamento moral do escândalo é inaceitável.



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