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OPINIÃO
ONGs e meninos de rua
SILVIO CACCIA BAVA
O presidente vem surpreendendo muitos de nós com suas declarações. Depois do episódio em que
chamou boa parte dos aposentados (e a si próprio!) de vagabundos, atacou as organizações
não-governamentais, declarando
que "deve ter mais gente trabalhando nas ONGs que tratam dos
meninos de rua do que crianças
nas ruas" (Folha, 31 de julho).
FHC declarou, minimizando o
problema, que "não há mil meninos de rua em São Paulo" e que se
deve distinguir "entre os meninos
que vivem na rua e os que têm família e só andam nas cidades."
À parte o comentário de que, se
houver menos de mil meninos de
rua, a questão não é grave, os últimos dados disponíveis, de 96, registram 7.169 meninos de rua na
cidade de São Paulo. Hoje, com o
recorde do desemprego na Grande
São Paulo (19% no total, com incríveis 30% nas camadas mais pobres), eles seguramente são mais.
A pesquisa diz que dormem nas
ruas 1.465 crianças e que 5.704
"andam pela cidade", isto é, pedem esmolas nos faróis para ajudar a família a comprar comida.
Pesquisa do Instituto Pólis sobre
os beneficiários dos programas de
renda mínima e bolsa-escola no
Brasil mostra que esses meninos
de rua são, na maioria, filhos de
mulheres que são chefes de família, têm baixíssima escolaridade e
não acham trabalho. O que nos remete ao tema do aprofundamento
da pobreza e da exclusão social.
O relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento de 1996 aponta que os pobres no Brasil somavam 42 milhões, dos quais 16,6 milhões eram
indigentes. Esses pobres são 30%
da população brasileira e se concentram cada vez mais nas metrópoles (29% do total). No Estado de
São Paulo, o mais rico do país, são
mais de 5 milhões de brasileiros
abaixo da linha de pobreza.
Num país com recursos abundantes, que dispõe de R$ 14 bilhões dos fundos do BNDES para
financiar grandes múltis na compra da Telebrás, temos de conviver com a humilhação de não conseguir dar de comer às crianças
que têm fome. Com R$ 7 bilhões/ano, menos de 1% de nosso
PIB, não haveria mais brasileiros
com fome, crianças ou adultos.
A pobreza e a concentração de
renda continuam aumentando, e
os efeitos redistributivos do Real
foram mínimos. Vejamos a porcentagem da renda nacional que
fica em mãos dos 50% mais pobres: 1960, 18%; 1970, 15%; 1980,
14%; 1991, 13,6%; 1993, 12,5%;
1994, 11,3%; 1995, 12,2%, sendo
que os especialistas apontam, para
1996 e 1997, um maior empobrecimento dessa parcela. A Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios) de 1996 nos diz que,
enquanto os 10% mais ricos detêm
46,8% da renda, os 10% mais pobres ficam com apenas 1%.
Pode-se observar essa mesma
tendência na partilha da renda nacional entre salários de um lado e
lucros, aluguéis e juros de outro.
Recente pesquisa do IBGE sobre a
evolução das contas nacionais
aponta a seguinte participação dos
salários na renda nacional: 1990,
45%; 1994, 40% (início do Plano
Real); 1996, 38%. O comportamento da remuneração do capital
apresenta uma dinâmica inversa:
1990, 33%; 1994, 38%; 1996, 41%.
Senhor presidente, não seria melhor que o governo reconhecesse a
gravidade da nossa crise social e os
erros na condução da política econômica, garantindo ao menos o
direito da segurança alimentar para todos os brasileiros? Medidas
como a bolsa-escola de Brasília e a
renda mínima de Campinas (seguidas por mais de cem governos)
ou o aumento do valor do salário-família (hoje, R$ 1 por criança)
podem ser adotadas já.
De que vale aprovar um programa de renda mínima nacional se
não se destinam recursos para ele
e se os critérios de acesso impedem que os municípios mais pobres possam implementá-los?
Se essas medidas ocorrerem, as
ONGs poderão se ocupar de outros temas: não haverá mais crianças "andando pelas ruas" nem
mães desesperadas sem ter o que
dar de comer a seus filhos.
Silvio Caccia Bava, 48, sociólogo, é diretor do
Instituto Pólis e presidente da Abong (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais)
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