São Paulo, quarta-feira, 06 de setembro de 2006

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GILBERTO DIMENSTEIN

A reinvenção do táxi


Pela 1ª vez, a elite econômica reúne membros do Executivo para pedir que a educação seja uma prioridade nacional


UM PONTO de táxi localizado na rua Natingui, quase esquina com a Fradique Coutinho, em Pinheiros, criou uma inusitada modalidade de auto-escola. Quando trafegam pelo bairro e vêem que um aluno está cabulando a aula, os taxistas tentam estimulá-lo a sair da rua e ir para a sala de aula. Em alguns casos, chegam até mesmo a ligar para a diretora. Quando estão livres, eles muitas vezes dão carona a algum professor.
A inédita transformação, em uma metrópole estressada, de taxistas em voluntários educacionais faz parte da história de Maria de Fátima Borges, uma quase desconhecida professora que estará, no dia de hoje, no museu do Ipiranga, misturada a uma pequena multidão de autoridades públicas e de celebridades empresariais. Não fosse convidada a falar, passaria por ali em total anonimato. "Um dos motoristas daquele ponto era pai de um de nossos alunos. A partir daí, começou a cumplicidade", conta Maria de Fátima.
Tal cumplicidade é apenas um detalhe da transformação da escola municipal Olavo Pezzotti, a poucos metros do ponto de táxi.
 

Em 1998, havia até mesmo rumores de fechamento da escola, tantos eram os problemas e tão poucos os alunos matriculados. Localizava-se na fronteira de uma região de cortiços conflagrada pela violência, conhecida por "mangue". "À noite, os tiroteios eram freqüentes." A desolação estava estampada na aparência da Olavo Pezzotti, com suas paredes pichadas e seus banheiros destruídos.
Maria de Fátima ganhou a confiança da comunidade, estimulou os professores e, aos poucos, foi criando um ambiente menos hostil para o aprendizado. Saiu batendo às portas de vizinhos à procura de ajuda. Entre eles estão duas universidades -USP e PUC-, onde conseguiu apoio para a formação de seus professores. Aliou-se ao centro de saúde para cuidar melhor dos alunos, muitos dos quais não aprendiam pela simples falta de um par de óculos ou pela dificuldade de audição.
 

Apenas neste ano todo esse trabalho se tornou visível. As notas dos alunos, segundo o teste aplicado pelo Ministério da Educação, não apenas ficaram muito acima da média da cidade de São Paulo como superaram as de Curitiba e Campo Grande, campeãs entre as capitais. Por isso, Maria de Fátima foi indicada a falar hoje no museu do Ipiranga, véspera do Dia da Independência: pela primeira vez, a elite econômica brasileira reúne representantes dos governos federal, estadual e municipal para pedir que a educação se transforme em prioridade nacional. Jorge Gerdau deverá falar em nome do empresariado, estabelecendo metas e prazos a serem acompanhados. O ano de referência para atingir essas metas é 2022, quando se comemora o bicentenário da Independência. "Sem educação não há desenvolvimento que preste", defende Gerdau.
 

Toda essa transformação vai depender tanto das celebridades e das autoridades quanto de anônimos como Maria de Fátima com seus taxistas.

gdimen@uol.com.br


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