São Paulo, domingo, 06 de setembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Brasil fez em décadas o que a Europa levou séculos para fazer

Queda da taxa de fecundidade mostra guinada da sociedade; garotos pequenos são menos úteis em ambientes onde não é necessário carregar água nem procurar lenha

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Não há justiça neste mundo. O demógrafo mais célebre do planeta é Thomas Robert Malthus (1766-1834), que errou redondamente em suas catastróficas previsões sobre o futuro da humanidade. Já Warren Thompson, cujo Modelo de Transição Demográfica (MTD), proposto em 1929, funciona bastante bem até hoje, é conhecido apenas por um punhado de especialistas.
E o que o MTD basicamente faz é explicar como o processo de desenvolvimento econômico faz com que países passam de altas taxas de natalidade e mortalidade para situações em que se registram poucos óbitos e ainda menos nascimentos.
Durante a maior parte da história humana, sobreviviam apenas os povos que conseguiam reproduzir-se pelo menos na mesma velocidade com diarreias e outros flagelos que matavam seus membros, em especial os bebês. O resultado eram populações jovens, cujo tamanho variava ao sabor de eventos naturais, como secas e epidemias. Essa é a fase 1 do MTD de Thompson.
O estágio 2, que, na Europa, se iniciou com a Revolução Agrícola, no século 18, caracteriza-se pela redução da mortalidade, inicialmente por conta da maior oferta de alimentos. Esse processo intensificou-se dramaticamente no século 20, com a introdução de políticas de saúde pública, como tratamento de água e esgotos e, um pouco mais tarde, vacinações em massa e antibióticos.
Como a redução nas mortes não se faz acompanhar imediatamente de diminuição nos nascimentos, a fase 2 é marcada pela explosão populacional. Dado que os óbitos evitados ocorrem principalmente entre crianças, é a base da pirâmide populacional que se alarga.
Já o estágio 3 do MTD caracteriza-se pela redução nas taxas de fecundidade. São vários os fatores que a explicam. Um dos mais poderosos é a urbanização. Se, em zonas rurais, crianças são sempre uma mão a mais para ajudar, além da "aposentadoria" dos pais, nas cidades a coisa não funciona bem assim.
Para começar, garotos pequenos são menos úteis em ambientes onde não é necessário carregar água nem procurar lenha. Também deixam de representar o futuro de pais que tenham acesso a sistemas de previdência. Alimentá-los, acomodá-los e enviá-los à escola significa, na verdade, um custo.
Some-se isso à escolarização das mulheres, que descobrem os meios e os motivos para evitar filhos, e a fecundidade pode cair bastante drasticamente. Foi o que ocorreu no Brasil, que completou em poucas décadas o percurso que a Europa levou séculos para percorrer.
Reduções para baixo do 2,1 filhos por mulher (taxa de reposição) não implicam queda abrupta da população. Como a expectativa de vida aumenta e a população envelhece, cria-se uma situação em que convivem três, até quatro gerações.
Nessa fase, também ocorre o que os especialistas chamam de janela demográfica, na qual a proporção de trabalhadores na ativa é mais alta, produzindo o enriquecimento da sociedade. Essa janela se fecha quando a coorte de idosos que já não trabalham ganha preponderância.
No estágio 4, fecundidade e mortalidade são baixos e a população para de crescer, mas não necessariamente de envelhecer. Alguns autores propuseram a criação de uma fase 5, que não integrava o MTD original, no qual as mortes já superam os nascimentos. É nessa situação que se encontram alguns países europeus.
Os desafios aqui são tentar manter a viabilidade dos sistemas de previdência e de saúde, bem como a riqueza material da sociedade. A resposta mais óbvia é a imigração estrangeira. O problema é que ela implica mudanças culturais com as quais nem todos estão dispostos a arcar. O resultado têm sido conflitos e xenofobia.


Texto Anterior: Glória Porto Kok (1918-2009): Viveu com muitas saudades do mar
Próximo Texto: Religião: Grupo cria um tipo de "Orkut" para católicos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.