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ANÁLISE
Brasil fez em décadas o que a Europa levou séculos para fazer
Queda da taxa de fecundidade mostra guinada da sociedade; garotos pequenos são menos úteis em ambientes onde não é necessário carregar água nem procurar lenha
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Não há justiça neste mundo.
O demógrafo mais célebre do
planeta é Thomas Robert Malthus (1766-1834), que errou redondamente em suas catastróficas previsões sobre o futuro
da humanidade. Já Warren
Thompson, cujo Modelo de
Transição Demográfica
(MTD), proposto em 1929, funciona bastante bem até hoje, é
conhecido apenas por um punhado de especialistas.
E o que o MTD basicamente
faz é explicar como o processo
de desenvolvimento econômico faz com que países passam
de altas taxas de natalidade e
mortalidade para situações em
que se registram poucos óbitos
e ainda menos nascimentos.
Durante a maior parte da história humana, sobreviviam
apenas os povos que conseguiam reproduzir-se pelo menos na mesma velocidade com
diarreias e outros flagelos que
matavam seus membros, em
especial os bebês. O resultado
eram populações jovens, cujo
tamanho variava ao sabor de
eventos naturais, como secas e
epidemias. Essa é a fase 1 do
MTD de Thompson.
O estágio 2, que, na Europa,
se iniciou com a Revolução
Agrícola, no século 18, caracteriza-se pela redução da mortalidade, inicialmente por conta
da maior oferta de alimentos.
Esse processo intensificou-se
dramaticamente no século 20,
com a introdução de políticas
de saúde pública, como tratamento de água e esgotos e, um
pouco mais tarde, vacinações
em massa e antibióticos.
Como a redução nas mortes
não se faz acompanhar imediatamente de diminuição nos
nascimentos, a fase 2 é marcada pela explosão populacional.
Dado que os óbitos evitados
ocorrem principalmente entre
crianças, é a base da pirâmide
populacional que se alarga.
Já o estágio 3 do MTD caracteriza-se pela redução nas taxas
de fecundidade. São vários os
fatores que a explicam. Um dos
mais poderosos é a urbanização. Se, em zonas rurais, crianças são sempre uma mão a mais
para ajudar, além da "aposentadoria" dos pais, nas cidades a
coisa não funciona bem assim.
Para começar, garotos pequenos são menos úteis em
ambientes onde não é necessário carregar água nem procurar
lenha. Também deixam de representar o futuro de pais que
tenham acesso a sistemas de
previdência. Alimentá-los, acomodá-los e enviá-los à escola
significa, na verdade, um custo.
Some-se isso à escolarização
das mulheres, que descobrem
os meios e os motivos para evitar filhos, e a fecundidade pode
cair bastante drasticamente.
Foi o que ocorreu no Brasil, que
completou em poucas décadas
o percurso que a Europa levou
séculos para percorrer.
Reduções para baixo do 2,1 filhos por mulher (taxa de reposição) não implicam queda
abrupta da população. Como a
expectativa de vida aumenta e a
população envelhece, cria-se
uma situação em que convivem
três, até quatro gerações.
Nessa fase, também ocorre o
que os especialistas chamam de
janela demográfica, na qual a
proporção de trabalhadores na
ativa é mais alta, produzindo o
enriquecimento da sociedade.
Essa janela se fecha quando a
coorte de idosos que já não trabalham ganha preponderância.
No estágio 4, fecundidade e
mortalidade são baixos e a população para de crescer, mas
não necessariamente de envelhecer. Alguns autores propuseram a criação de uma fase 5,
que não integrava o MTD original, no qual as mortes já superam os nascimentos. É nessa situação que se encontram alguns países europeus.
Os desafios aqui são tentar
manter a viabilidade dos sistemas de previdência e de saúde,
bem como a riqueza material
da sociedade. A resposta mais
óbvia é a imigração estrangeira.
O problema é que ela implica
mudanças culturais com as
quais nem todos estão dispostos a arcar. O resultado têm sido conflitos e xenofobia.
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