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ARTE DE RUA
Obras que imitam quadros modernistas foram pichadas; intervenção da prefeitura no espaço provoca protestos
Guerra do grafite mancha túnel da Paulista
MARIO CESAR CARVALHO
FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL
Os grafites com cópias de obras
do modernismo no túnel que liga
as avenidas Paulista e Doutor Arnaldo só ficaram limpos por pouco mais de um mês -eles foram
pichados na última madrugada.
Ontem, os estudantes que fizeram
as cópias de Tarsila do Amaral,
Portinari e Alfredo Volpi limpavam o spray sobre as obras. O buraco da Paulista, nome popular
do túnel, é o mais tradicional espaço de grafite em São Paulo.
A disputa na Paulista é uma batalha anunciada. As obras modernistas que ocupam as duas paredes do túnel encobriram grafites
que eram pintados ali há cerca de
15 anos. Os desenhos livres foram
trocados por determinação da Secretaria das Subprefeituras.
Na última semana, um grafiteiro que se apresenta como Grow,
21, disse à Folha que sua turma
atacaria os grafites oficiais -ele
não revela a identidade por temer
retaliações. "Eu e toda uma galera
já combinamos e vamos atropelar
[grafitar por cima] aquilo tudo.
Vamos bombar", anunciou.
A troca dos grafites livres pela
pintura patrocinada pela prefeitura não provocou indignação só
nos mais radicais. Educadores e
grafiteiros tradicionais criticam a
intervenção oficial no espaço.
"Foram os grafiteiros que fizeram aquele espaço ficar legal. É
um lugar tradicional e nobre da livre expressão", diz Rui Amaral,
um dos precursores da arte de rua
na cidade e o único que teve o trabalho preservado no túnel (um
mural de fundo azul) pelo projeto
dos modernistas. Amaral considera as cópias modernistas "um
projeto social e educativo interessante". Mas diz não ter dúvidas de
que estão no "lugar errado."
Se do ponto de vista educativo o
trabalho tem defensores, a avaliação estética do conjunto obteve
um julgamento unânime: "É horroroso, é um desserviço", diz Paulo Portella, coordenador do serviço educativo do Masp (Museu de
Arte de São Paulo), considerado
um dos melhores do país.
O projeto com reproduções de
obras do modernismo é repleto
de boas intenções. As paredes foram pintadas por pichadores, grafiteiros e estudantes da Vila Brasilândia, uma área violenta na zona
norte de São Paulo. Todos participaram de oficinas de grafite no
CEU (Centro Educacional Unificado) Paz. Chegaram ao buraco
da Paulista, como é conhecido o
túnel, a convite da prefeitura, segundo Almir Resende Pessoa, 32,
conhecido como Lek, da ONG Revolucionart, que fez o projeto.
"Nossa proposta é de resgate da
arte brasileira. Tem gente que conhece Da Vinci e Van Gogh e
nunca viu um trabalho de Portinari e de Tarsila", diz. O resultado,
segundo ele, é "lindo".
História apagada
O buraco da Paulista começou a
ser grafitado nos anos 80. Entre
1988 e 1989, tornou-se um grande
painel de grafite, segundo o antropólogo e jornalista Nelson Silveira, que defendeu uma tese de
mestrado na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) sobre esse tipo de intervenção.
Segundo ele, a institucionalização do grafite começou na gestão
de Luiza Erundina (1989-1992) na
prefeitura. À época, acreditava-se
que o grafite seria um anticorpo
eficaz contra a pichação.
"Encobriram um espaço histórico do grafite. Reproduzir obras
consagradas não acrescenta nada.
Antes, havia trabalhos com qualidade estética", disse Silveira.
A arte-educadora Ana Mae Barbosa, professora aposentada da
USP e ex-diretora do MAM (Museu de Arte Moderna), diz que
tem saudades dos grafites encobertos, mas vê valores na reprodução das obras: "Cópias não estimulam ninguém a se interessar
por arte, mas ajudam a população
a conviver com o modernismo".
Portella, do Masp, acha que a
qualidade do trabalho compromete qualquer boa intenção. "O
que está lá não é Portinari, não é
Volpi, não tem fidelidade, não
tem nada a ver com a obra original. Muita gente que não conhece
pode começar a conhecer de modo errado", afirma. Ele também
critica a escassez de informações
sobre os pintores e as obras.
Mesmo dentro da prefeitura, o
projeto não é consensual. O coordenador da Juventude, Alexandre
Youssef, defende que aquele é um
espaço tradicional do grafite:
"Mais cedo ou mais tarde, o grafite volta para lá. A transitoriedade
faz parte da arte urbana".
Para o artista Rui Amaral, "muita gente prefere a estética do trabalho atual [feito com aerógrafos]
do que a liberdade do spray".
Mas grafiteiros como Ricardo
Viccario, 25, que tiveram seus desenhos cobertos, são menos ponderados. Para ele, o buraco da
Paulista foi um espaço conquistado. "Muita gente foi presa quando
fazia grafites ali", conta. Os artistas que ocupavam o local, para
ele, foram jogados de lado: "Não
tem essa de projeto da prefeitura.
A cidade é de todo mundo e a rua
é a nossa galeria".
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