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URBANIDADE
Os votos de Soninha
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Domingo à noite, quando recebeu, por um telefone público hospitalar, a notícia de que tinha sido eleita vereadora, Sônia Francine, a Soninha, não conseguiu comemorar.
Naquele momento, no Hospital
das Clínicas, o que estava em
disputa não eram votos, mas
muito mais do que isso -disputava-se a vida de sua filha. "Entrei na pior das batalhas, em que
a derrota não dá segunda chance."
Faltavam dez dias para as
eleições quando Soninha foi informada pelos médicos de que
Júlia, de sete anos, sua filha mais
nova, deveria ser imediatamente internada. Diagnóstico: leucemia. "Um buraco se abriu chão,
fui caindo como se não pudesse
me agarrar em nenhum lugar."
Desnorteada, ela encostou os
projetos políticos, desmarcou todos os compromissos eleitorais e
tratou de se concentrar nas recomendações dos médicos: fazer o
possível para manter o equilíbrio emocional. Sinais de descontrole apenas deixariam a
menina ainda mais insegura e
talvez dificultassem o tratamento médico.
Começou a ler textos sobre a
leucemia e seus tratamentos,
que, muitas vezes, são um suplício para os pacientes. "Quando
não agüentava aquela angústia,
saía correndo do quarto do hospital e ia chorar no corredor."
Ao recorrer ao site de campanha para explicar as razões do
sumiço, Soninha, involuntariamente, fez daquele espaço virtual um depositário de outros tipos de voto -os desejos de cura.
"Compartilhar a dor foi o jeito
que encontrei de enfrentá-la
melhor." A eleição só não terminou ali porque os amigos se dispuseram a ajudá-la.
Como ela tinha decidido não
poluir ainda mais a cidade com
cartazes nos postes, temia-se que
a falta da candidata aos eventos
fizesse desmoronar a campanha
exatamente na reta final. De vez
em quando, algum amigo dava-lhe uma informação sobre a disputa. "Diante do que estava passando, a eleição não tinha tanta
importância."
No domingo à noite, os amigos
não sabiam se deveriam cumprimentá-la ou se deveriam disfarçar o clima de comemoração.
Soube, pelo telefone público do
hospital, que tinha obtido mais
de 50 mil votos. "Venci essa pequena batalha. Vou vencer agora a batalha da minha filha."
E-mail - gdimen@uol.com.br
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