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MOACYR SCLIAR
Quem foi que votou em mim?
Fez sua inscrição e mandou confeccionar santinhos, mas tratou de espalhar que não queria voto nenhum
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Denis da Silva candidatou-se a uma cadeira na Assembléia do Amapá e recebeu
um voto. Roraima teve 11 candidatos
com voto único, Amapá teve seis, Pernambuco, quatro e Rondônia, quatro.
Em Maceió, Sebastião Malta, ao se inscrever no TRE, percebeu que não tinha
chance de se eleger. Resolveu então
apoiar o filho e abandonou a própria candidatura. Valter Cunha fez um voto para
AL da Bahia. Em Alto Alegre, Roraima,
Francisco das Chagas Pereira abdicou da
própria candidatura e pediu que ninguém votasse nele. Mas o lavrador João
Silva confiou-lhe seu voto. Folha de S.Paulo, Eleições 2002
A ÚLTIMA COISA que Armando
queria era candidatar-se a um
cargo eletivo. Não gostava de
política, tinha horror a campanhas
eleitorais. Gostava, mesmo, era de
ficar em sua pequena loja de calçados, atendendo a um ou outro raro
freguês, lendo o jornal, conversando
com o dono da lanchonete ao lado.
Foi portanto com consternação que
recebeu o convite para lançar sua
candidatura a vereador. Convite,
não. Na verdade, tratava-se de uma
intimação. Presidente de um minúsculo partido -uma dessas obscuras
siglas que ninguém sabe exatamente o que significa- o tio contava com
o apoio de amigos e, sobretudo, de
parentes, para reforçar a legenda.
Nessa lista, Armando estava no topo. Por boas razões: não era pequeno o número de favores que o tio lhe
emprestara: conseguira-lhe um empréstimo para que pudesse montar
sua loja, uma vaga num colégio próximo para o filho mais velho. Mesmo assim, tentou escapar àquela situação constrangedora. Foi falar
com o tio, disse que não tinha vocação política, que não sabia como fazer campanha, que, para entrar naquilo, teria de sacrificar suas economias, isso num momento de crise
mundial. O homem, porém, mostrou-se inflexível. Em desespero,
Armando lançou mão de um último
argumento: garantiu que não faria
voto algum.
-Ouviu, tio? Nenhum voto!
O tio sorriu, incrédulo. Nenhum
voto? Impossível. Então fez uma
promessa: se aquilo fosse verdade,
se Armando não conseguisse um
único voto, nunca mais o incomodaria. O que deixou Armando satisfeito: agora ele tinha, sim, uma possibilidade de escapar da política. Fez sua
inscrição e até mandou confeccionar alguns santinhos, mas tratou de,
imediatamente, entrar em contato
com familiares, amigos, conhecidos,
fregueses, fornecedores; a todos dizia que sua candidatura resultava de
uma obrigação, e que não queria voto algum.
Veio a eleição, e ele votou em
branco, mas o dia seguinte foi, como
costuma sê-lo para os candidatos, de
tensão e nervosismo. No caso dele,
porém, a tensão e o nervosismo foram dando lugar à satisfação; de fato, urna após urna confirmavam a
sua expectativa. Ele não tinha nenhum voto. Já estava se preparando
para telefonar para o tio ("Eu não
disse, titio?") quando veio a notícia
inesperada, devastadora: numa urna de um bairro longínquo ele tivera
um voto. Um único voto que, contudo, destruiu sua felicidade.
Agora ele está atrás desse misterioso eleitor, que é, disso ele tem certeza, um cúmplice do tio -e um inimigo dele, Armando. Precisa encontrar esse cara, precisa acertar as contas com ele. É uma causa, uma causa
sagrada. Do mesmo tipo daquelas
sagradas causas que, segundo muitos candidatos, representam a única
razão pela qual pedem ao eleitor o
seu voto.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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