São Paulo, segunda-feira, 06 de outubro de 2008

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Servidor resiste a ponto eletrônico no Rio

Na UFRJ, funcionários rejeitam monitoramento digital e exigem permanência da folha de ponto preenchida a caneta

Convocados para fazer o cadastro, os funcionários se recusaram sob o argumento de que o ponto presume que o trabalhador é desonesto


MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Pesa meio quilo e mede 18,7 cm (largura) x 12,8 cm (altura) x 5,2 cm (profundidade) o aparelhinho que ronda como espectro um prédio do século 19 no centro do Rio. O ponto eletrônico de presença nem começou a operar, mas conflagra o IFCS (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Os servidores rejeitam o monitoramento digital da freqüência. Exigem a permanência da folha de ponto preenchida de próprio punho, a caneta, em locais descentralizados e recolhida no fim do mês.
Na edificação onde funcionou a Academia Real Militar, no largo de São Francisco, combate-se hoje a favor e contra a checagem rigorosa do comparecimento ao trabalho.
Os argumentos tratam de temas -a universidade pública e o funcionalismo remunerado por cidadãos e contribuintes- que ultrapassam as paredes dos quatro andares do instituto, herdeiro da antiga Faculdade Nacional de Filosofia.
No ponto da discórdia, o registro é feito pela leitura da digital dos funcionários. Convocados a se cadastrar, eles se negaram. "Esse ponto parte do princípio de que o trabalhador é desonesto", diz Flávio Santos, integrante da comissão de negociação dos servidores.
Mas os funcionários do IFCS também não aceitam controle eletrônico com cartão.
"Já fiquei muito tempo presa, para agora ser acusada de conivência com ilegalidade", afirma a historiadora Jessie Jane Vieira de Souza, diretora do instituto e responsável pela (tentativa de) adoção do ponto.
Militante da luta armada contra a ditadura militar (1964-85), ela cumpriu pena por nove anos. Na sua opinião, ilegal seria o gestor público não zelar pelo cumprimento dos contratos de trabalho.
O decreto 1.867, de 1996, determina que o "registro de assiduidade e pontualidade dos servidores públicos federais da administração pública federal direta, autárquica e fundacional será realizado mediante controle eletrônico de ponto".
A UFRJ é uma autarquia. O IFCS reúne 64 servidores, 106 docentes e 3.410 alunos de graduação e de pós.
Contra o ponto, o Diretório Central dos Estudantes da UFRJ "repudia a atitude de implantar o sistema, [...] forma de aumentar o controle sobre os técnicos administrativos".
Já o Centro Acadêmico dos alunos que moram no alojamento universitário manifestou apoio à diretora: "A iniciativa evidencia respeito com os alunos e a verba pública".
Uma assembléia dos servidores do IFCS deliberou que "a categoria não aceita a implantação do ponto eletrônico por entender que tal procedimento não assegura a confiabilidade do desempenho funcional da unidade."
Os professores Ricardo Jardim, chefe do Departamento de Filosofia, e Fernando Santoro, coordenador de Graduação em Filosofia, condenam o ponto para os funcionários.
Argumentam: "[...] Empresas interessadas no aumento da mais-valia obtida de seus empregados e no atendimento à clientela viam como eficaz e lucrativo um tal sistema e dispositivo de controle [o ponto]".

Resistências
Reações se repetem em universidades públicas em que administradores buscam instalar o ponto eletrônico. São poucas as unidades de ensino superior, com pessoal subordinado à União e aos Estados, que adotam o sistema.
Na origem do embate está a insatisfação de alguns docentes com a ausência e a insubmissão a horários. Um professor de história foi impedido de dar aula porque não havia servidor, guardião da chave, para abrir a sala. A ouvidoria da UFRJ recebeu reclamações.
Em abril, a diretora decidiu pelo ponto eletrônico, o que é sua prerrogativa. Para ela, o aparelho é um instrumento para que "as pessoas estejam no seu lugar de trabalho para responder à demanda do público que chega ao departamento e não encontra ninguém".
Mais: com a mudança, geram-se "mecanismos universais e impessoais que permitem que a comunidade do IFCS não crie laços de compadrio".
Pró-ponto eletrônico, a professora Karina Kuschnir, chefe do Departamento de Antropologia Cultural, afirma: "Temos que prestar contas à sociedade porque somos pagos por ela. A implantação do novo ponto faz parte de uma visão de universidade pública que busca excelência de todos os seus participantes: docentes, funcionários e alunos."
A ouvidora da universidade, Cristina Riche, não toma partido e pondera: "O que não pode é quem procura o serviço ficar sem a prestação do serviço".
Os servidores do IFCS não se opõem apenas ao ponto eletrônico. Alguns sustentam que a jornada de trabalho deve ser de seis horas e não de oito horas, que é o tempo fixado pelo decreto 1.590, de 1995.
Os funcionários atacam o que consideram falta de isonomia, pela introdução da aferição eletrônica de presença exclusivamente para eles. O decreto 1.867/96 dispensa os professores do ponto. Docentes com cargos de chefia têm se recusado a subscrever folhas de ponto com aparência de preenchimento posterior à data e ao horário indicados.
A diretora do IFCS enfrenta outras resistências. A Folha procurou para entrevista o reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira, o pró-reitor de Pessoal, Luiz Afonso Henriques Mariz, e o decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Marcelo Macedo Corrêa e Castro.
Nenhum respondeu, embora tenham sido procurados pelo menos quatro vezes cada um.
Os funcionários anunciaram ter recebido apoio do reitor contra o ponto eletrônico. Um dirigente graduado da UFRJ confirmou. Na contramão, o Ministério da Educação reafirma que a legislação prevê ponto eletrônico.
Enquanto isso, o aparelhinho, cujo funcionamento estava previsto para julho, segue sem uso na entrada do IFCS, como um fantasma a ameaçar a velha folha de ponto e a cultura que sobrevive em torno dela.


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