|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Servidor resiste a ponto eletrônico no Rio
Na UFRJ, funcionários rejeitam monitoramento digital e exigem permanência da folha de ponto preenchida a caneta
Convocados para fazer o cadastro,
os funcionários se recusaram
sob o argumento de que o
ponto presume que o
trabalhador é desonesto
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
Pesa meio quilo e mede 18,7
cm (largura) x 12,8 cm (altura) x
5,2 cm (profundidade) o aparelhinho que ronda como espectro um prédio do século 19 no
centro do Rio. O ponto eletrônico de presença nem começou
a operar, mas conflagra o IFCS
(Instituto de Filosofia e Ciências Sociais) da Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
Os servidores rejeitam o monitoramento digital da freqüência. Exigem a permanência da folha de ponto preenchida de próprio punho, a caneta,
em locais descentralizados e
recolhida no fim do mês.
Na edificação onde funcionou a Academia Real Militar,
no largo de São Francisco, combate-se hoje a favor e contra a
checagem rigorosa do comparecimento ao trabalho.
Os argumentos tratam de temas -a universidade pública e
o funcionalismo remunerado
por cidadãos e contribuintes-
que ultrapassam as paredes dos
quatro andares do instituto,
herdeiro da antiga Faculdade
Nacional de Filosofia.
No ponto da discórdia, o registro é feito pela leitura da digital dos funcionários. Convocados a se cadastrar, eles se negaram. "Esse ponto parte do
princípio de que o trabalhador
é desonesto", diz Flávio Santos,
integrante da comissão de negociação dos servidores.
Mas os funcionários do IFCS
também não aceitam controle
eletrônico com cartão.
"Já fiquei muito tempo presa, para agora ser acusada de
conivência com ilegalidade",
afirma a historiadora Jessie Jane Vieira de Souza, diretora do
instituto e responsável pela
(tentativa de) adoção do ponto.
Militante da luta armada
contra a ditadura militar (1964-85), ela cumpriu pena por nove
anos. Na sua opinião, ilegal seria o gestor público não zelar
pelo cumprimento dos contratos de trabalho.
O decreto 1.867, de 1996, determina que o "registro de assiduidade e pontualidade dos
servidores públicos federais da
administração pública federal
direta, autárquica e fundacional será realizado mediante
controle eletrônico de ponto".
A UFRJ é uma autarquia. O
IFCS reúne 64 servidores, 106
docentes e 3.410 alunos de graduação e de pós.
Contra o ponto, o Diretório
Central dos Estudantes da
UFRJ "repudia a atitude de implantar o sistema, [...] forma de
aumentar o controle sobre os
técnicos administrativos".
Já o Centro Acadêmico dos
alunos que moram no alojamento universitário manifestou apoio à diretora: "A iniciativa evidencia respeito com os
alunos e a verba pública".
Uma assembléia dos servidores do IFCS deliberou que "a
categoria não aceita a implantação do ponto eletrônico por
entender que tal procedimento
não assegura a confiabilidade
do desempenho funcional da
unidade."
Os professores Ricardo Jardim, chefe do Departamento de
Filosofia, e Fernando Santoro,
coordenador de Graduação em
Filosofia, condenam o ponto
para os funcionários.
Argumentam: "[...] Empresas
interessadas no aumento da
mais-valia obtida de seus empregados e no atendimento à
clientela viam como eficaz e lucrativo um tal sistema e dispositivo de controle [o ponto]".
Resistências
Reações se repetem em universidades públicas em que administradores buscam instalar
o ponto eletrônico. São poucas
as unidades de ensino superior,
com pessoal subordinado à
União e aos Estados, que adotam o sistema.
Na origem do embate está a
insatisfação de alguns docentes
com a ausência e a insubmissão
a horários. Um professor de
história foi impedido de dar aula porque não havia servidor,
guardião da chave, para abrir a
sala. A ouvidoria da UFRJ recebeu reclamações.
Em abril, a diretora decidiu
pelo ponto eletrônico, o que é
sua prerrogativa. Para ela, o
aparelho é um instrumento para que "as pessoas estejam no
seu lugar de trabalho para responder à demanda do público
que chega ao departamento e
não encontra ninguém".
Mais: com a mudança, geram-se "mecanismos universais e impessoais que permitem
que a comunidade do IFCS não
crie laços de compadrio".
Pró-ponto eletrônico, a professora Karina Kuschnir, chefe
do Departamento de Antropologia Cultural, afirma: "Temos
que prestar contas à sociedade
porque somos pagos por ela. A
implantação do novo ponto faz
parte de uma visão de universidade pública que busca excelência de todos os seus participantes: docentes, funcionários
e alunos."
A ouvidora da universidade,
Cristina Riche, não toma partido e pondera: "O que não pode
é quem procura o serviço ficar
sem a prestação do serviço".
Os servidores do IFCS não se
opõem apenas ao ponto eletrônico. Alguns sustentam que a
jornada de trabalho deve ser de
seis horas e não de oito horas,
que é o tempo fixado pelo decreto 1.590, de 1995.
Os funcionários atacam o
que consideram falta de isonomia, pela introdução da aferição eletrônica de presença exclusivamente para eles. O decreto 1.867/96 dispensa os professores do ponto. Docentes
com cargos de chefia têm se recusado a subscrever folhas de
ponto com aparência de preenchimento posterior à data e ao
horário indicados.
A diretora do IFCS enfrenta
outras resistências. A Folha
procurou para entrevista o reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira, o
pró-reitor de Pessoal, Luiz
Afonso Henriques Mariz, e o
decano do Centro de Filosofia e
Ciências Humanas, Marcelo
Macedo Corrêa e Castro.
Nenhum respondeu, embora
tenham sido procurados pelo
menos quatro vezes cada um.
Os funcionários anunciaram
ter recebido apoio do reitor
contra o ponto eletrônico. Um
dirigente graduado da UFRJ
confirmou. Na contramão, o
Ministério da Educação reafirma que a legislação prevê ponto eletrônico.
Enquanto isso, o aparelhinho, cujo funcionamento estava previsto para julho, segue
sem uso na entrada do IFCS,
como um fantasma a ameaçar a
velha folha de ponto e a cultura
que sobrevive em torno dela.
Texto Anterior: Foco: Mães que passeiam com filhos pequenos reclamam de buracos e desníveis Próximo Texto: Mortes Índice
|