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PASQUALE CIPRO NETO
Jogador de futebol ou cirurgião?
Não será a primeira vez
(nem a última) que me ocuparei de algumas das preciosidades do que costumo chamar de
"titulês" (a língua dos títulos jornalísticos). Veja este exemplo, publicado nesta semana: "Ricardinho opera e chateia são-paulinos". Como diz a banca da Unicamp, a redação dessa frase gera
"efeitos estranhos".
E quais seriam esses "efeitos estranhos"? Vamos direto ao ponto:
a estrutura da frase permite que
se deduza que o termo "são-paulinos" seja complemento de "chateia" e de "opera". Doutor Ricardinho operou os são-paulinos.
Temos aí a chamada ambiguidade estrutural, que o "conhecimento de mundo" se encarrega
de desfazer. Como se sabe que Ricardinho não é cirurgião, entende-se o que o redator quis dizer.
Como resolver o problema? Bastaria ter colocado um "se" ("Ricardinho se opera e chateia são-paulinos") para que não houvesse
nenhuma ponta de duplo sentido.
A esta altura, alguém talvez
pergunte se a construção "Ricardinho se opera" não pode significar "Ricardinho opera a si mesmo". Rigorosamente, pode, mas é
bom não exagerar, caro leitor.
Em "Ricardinho se opera e...",
ocorre um processo que já comentei algumas vezes neste espaço. É
da língua a inversão sintática que
se vê, por exemplo, na passagem
de "X operou o joelho direito de
Y" para "Y operou(-se) do joelho
direito". Não faltam registros desses usos de "operar" e de tantos
outros verbos com os quais se consagra esse processo. Um exemplo
conhecido (e muito usado) é o do
verbo "vender": "Vende-se muito
bem esse macarrão", "Vende
muito bem esse macarrão", "Esse
macarrão vende muito bem".
Voltando ao título jornalístico,
é bom lembrar que uma das opções seria a construção passiva
analítica (feita com o verbo "ser"
+ particípio): "Ricardinho é operado". Por sinal, nos vestibulares
ainda é comum a exigência do conhecimento da operação necessária para que se transforme em
passiva uma construção ativa.
Na última prova da Fuvest, o
assunto foi abordado a partir deste trecho: "Décadas atrás, vozes
bem afinadas cantavam no rádio
esta singela quadrinha de propaganda". A banca pediu aos candidatos que reescrevessem a frase,
substituindo a expressão "décadas atrás" por "ainda hoje" e
transpondo a forma verbal para a
voz passiva.
Como fazer? O complemento direto de "cantavam" ("esta singela
quadrinha de propaganda") deve
passar a sujeito da voz passiva.
Não se pode esquecer que a substituição de "décadas atrás" por
"ainda hoje" impõe o uso do verbo no presente. Vamos lá: "Ainda
hoje, esta singela quadrinha de
propaganda é cantada no rádio
por vozes bem afinadas".
Deve-se tomar cuidado com a
expressão "no rádio", que não deve ser posta no fim da frase ("...é
cantada por vozes bem afinadas
no rádio"), do contrário não nos
livramos dos "efeitos estranhos".
Preciso pedir desculpa a Chico
Amaral, autor da bela letra de
"Casa Aberta", analisada na semana passada. Talvez na ânsia
de participar da festa mineira,
acabei trocando "Geralda" por
"Geraldo" (personagem que devo
ter assumido inconscientemente).
Corrija-se, pois: "Dançam Geralda, Helena, Flor". É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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