São Paulo, sexta-feira, 06 de novembro de 2009

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Briga do galo

Vizinhos de escola divergem sobre a presença de galos em granja educativa para alunos com necessidades especiais: para uns, o canto incomoda; para outros, eles são benéficos às crianças

Marlene Bergamo/Folha Imagem
A galinha Cocó, com alunos da escola Érico de Abreu Sodré, é uma das aves da "granja educativa' que motiva reclamação de vizinhos

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

MARLENE BERGAMO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICA

O galo João canta forte todos os dias a partir das 3h30. Na companhia de Virgulino, também galináceo, os dois tecem as manhãs no bairro da Saúde, zona sul de São Paulo.
Mas faz uma semana que Virgulino canta sozinho. João, seu parceiro, está exilado provisoriamente em um sítio no interior do Estado.
Alguns vizinhos não toleram João: "Não permita que o galo faça cocoricó na sua orelha. Vá até a escola e proteste", conclamou o bancário aposentado José de Abreu Santos, 62, no panfleto que distribuiu entre os moradores da sua rua.
Outros vizinhos saíram em defesa de João: "Volte, galo! Estou com saudades de ser acordada com seu cocoricó". Assinam Maria Rosa, Roseli, Sonia, Thaís e Débora, moradoras de casas do entorno, em um cartaz improvisado. Também desenharam um galinho -cantando e chorando grossas lágrimas vermelhas.
Os dois galos -Virgulino e João, pai e filho- vivem juntos em um galinheiro que fica na Escola Estadual Érico de Abreu Sodré. Desfrutam da companhia das penosas Cocó e Mariazinha e dos pintinhos William e Vinicius, entre outros -todos com nomes. As cerca de 30 aves fazem parte de um projeto de granja educativa, direcionado a duas classes de alunos com necessidades especiais.
João, que tem um ano e meio de vida, é um galo indiano -alto e esguio, musculoso, de cor avermelhada. A raça é usada em rinhas de galos. E foi em uma briga, justo com Virgulino, que João tornou-se, ele mesmo, um galo manco -deficiente, portanto.
"Toda a turma gostava do João. Achei muito triste levarem, porque eu sempre brincava com ele e cuidava do galinheiro e da horta", disse a aluna Luana Ferreira Santos, 11.
A Érico de Abreu Sodré é uma escola bem cuidada, que em 2008 superou em 20% as metas de desempenho fixadas pela Secretaria da Educação.
Dos seus 380 alunos, 28 são "especiais", crianças com dificuldades de aprendizado e síndromes diversas.
Foi para esses estudantes que a diretora Silvana Vairoletti, 46, e o vice-diretor José Manuel Almeida Braz, 44, idealizaram o galinheiro e a horta em que os alunos aprendem e exercitam a afetividade, o cuidado e a delicadeza.
Como a que demonstra a menina que até um mês atrás mal falava, agressiva, e que agora ensaia os primeiros sorrisos e as primeiras histórias para contar para os amigos de sala.
A professora Maria Sueko Arakaki, 54, cuida das aves e dos canteiros de almeirão roxo, cebolinha, alface, pimentão e abobrinha com seus alunos.
"Antes, eles ficavam só sentados, assistindo às aulas. Agora, têm a chance de sentir que podem ser responsáveis pelo bem-estar de um ser vivo, que são importantes", diz.
"Por mim, esses professores podem levar o projeto educacional que quiserem, desde que respeitem o direito de a vizinhança dormir", afirma a aposentada Myrthes Salvatore, 73, que mora em uma casa defronte ao muro da escola.
O galinheiro fica ali, bem atrás do muro. Segundo a aposentada, outro morador da rua, pai de crianças pequenas, disse-lhe que seus filhos acordam de madrugada e não conseguem mais pegar no sono: "Imaginam que a gritaria venha de algum monstro".
"[O galinheiro] É importante. Tem criança que nem sabe o que é uma galinha", defende a empresária Roseli de Almeida, 52, que assinou o manifesto a favor do galo. Ela gostava de ter a ave por perto, mas é compreensiva com os vizinhos que exigem a retirada do animal.
"O galo não me incomodava. Sou do interior. Não me acostumo é com buzina. Mas vejo a posição do sujeito que mora ao lado do galo. Deve ser um senhor. Poderiam conversar. Poderiam até mudar o galinheiro, colocar atrás da escola."
Segundo o aposentado José de Abreu Santos, que escreveu o manifesto antigalo, só o exílio de João não basta. "É preciso que enviem também o outro para bem longe daqui. Agora, sem o colega, o que ficou está cantando mais forte do que nunca. A gente continua a ser acordado de madrugada."
Para resolver a polêmica, o vice-diretor já planeja realizar uma ampla consulta popular. E promete: "Se o galo perder, a gente se rende. Mas, se ganhar, vamos dar uma festona para receber o João de volta".
O taxista Amilton Mesquita, 59, que mora há 45 anos bem em frente à escola, é um dos moradores que assinaram o cartaz pedindo a volta de João.
Segundo ele, o canto do galo fazia parecer que ele morava em um sítio, mesmo estando em São Paulo. "E os sabiás que cantam às 5h? Vão tirá-los também?", pergunta.


Colaboraram IURI DE CASTRO TÔRRES e JEAN-PHILIP STRUCK .


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