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Briga do galo
Vizinhos de escola divergem sobre a presença de galos em granja educativa para alunos com necessidades especiais: para uns, o canto incomoda; para outros, eles são benéficos às crianças
Marlene Bergamo/Folha Imagem
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A galinha Cocó, com alunos da escola Érico de Abreu Sodré, é uma das aves da "granja educativa' que motiva reclamação de vizinhos
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
MARLENE BERGAMO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICA
O galo João canta forte todos
os dias a partir das 3h30. Na
companhia de Virgulino, também galináceo, os dois tecem as
manhãs no bairro da Saúde, zona sul de São Paulo.
Mas faz uma semana que Virgulino canta sozinho. João, seu
parceiro, está exilado provisoriamente em um sítio no interior do Estado.
Alguns vizinhos não toleram
João: "Não permita que o galo
faça cocoricó na sua orelha. Vá
até a escola e proteste", conclamou o bancário aposentado José de Abreu Santos, 62, no panfleto que distribuiu entre os
moradores da sua rua.
Outros vizinhos saíram em
defesa de João: "Volte, galo! Estou com saudades de ser acordada com seu cocoricó". Assinam Maria Rosa, Roseli, Sonia,
Thaís e Débora, moradoras de
casas do entorno, em um cartaz
improvisado. Também desenharam um galinho -cantando
e chorando grossas lágrimas
vermelhas.
Os dois galos -Virgulino e
João, pai e filho- vivem juntos
em um galinheiro que fica na
Escola Estadual Érico de Abreu
Sodré. Desfrutam da companhia das penosas Cocó e Mariazinha e dos pintinhos William e
Vinicius, entre outros -todos
com nomes. As cerca de 30 aves
fazem parte de um projeto de
granja educativa, direcionado a
duas classes de alunos com necessidades especiais.
João, que tem um ano e meio
de vida, é um galo indiano -alto e esguio, musculoso, de cor
avermelhada. A raça é usada
em rinhas de galos. E foi em
uma briga, justo com Virgulino,
que João tornou-se, ele mesmo, um galo manco -deficiente, portanto.
"Toda a turma gostava do
João. Achei muito triste levarem, porque eu sempre brincava com ele e cuidava do galinheiro e da horta", disse a aluna
Luana Ferreira Santos, 11.
A Érico de Abreu Sodré é
uma escola bem cuidada, que
em 2008 superou em 20% as
metas de desempenho fixadas
pela Secretaria da Educação.
Dos seus 380 alunos, 28 são
"especiais", crianças com dificuldades de aprendizado e síndromes diversas.
Foi para esses estudantes
que a diretora Silvana Vairoletti, 46, e o vice-diretor José Manuel Almeida Braz, 44, idealizaram o galinheiro e a horta em
que os alunos aprendem e exercitam a afetividade, o cuidado e
a delicadeza.
Como a que demonstra a menina que até um mês atrás mal
falava, agressiva, e que agora
ensaia os primeiros sorrisos e
as primeiras histórias para contar para os amigos de sala.
A professora Maria Sueko
Arakaki, 54, cuida das aves e
dos canteiros de almeirão roxo,
cebolinha, alface, pimentão e
abobrinha com seus alunos.
"Antes, eles ficavam só sentados, assistindo às aulas. Agora,
têm a chance de sentir que podem ser responsáveis pelo
bem-estar de um ser vivo, que
são importantes", diz.
"Por mim, esses professores
podem levar o projeto educacional que quiserem, desde que
respeitem o direito de a vizinhança dormir", afirma a aposentada Myrthes Salvatore, 73,
que mora em uma casa defronte ao muro da escola.
O galinheiro fica ali, bem
atrás do muro. Segundo a aposentada, outro morador da rua,
pai de crianças pequenas, disse-lhe que seus filhos acordam
de madrugada e não conseguem mais pegar no sono:
"Imaginam que a gritaria venha
de algum monstro".
"[O galinheiro] É importante. Tem criança que nem sabe o
que é uma galinha", defende a
empresária Roseli de Almeida,
52, que assinou o manifesto a
favor do galo. Ela gostava de ter
a ave por perto, mas é compreensiva com os vizinhos que
exigem a retirada do animal.
"O galo não me incomodava.
Sou do interior. Não me acostumo é com buzina. Mas vejo a
posição do sujeito que mora ao
lado do galo. Deve ser um senhor. Poderiam conversar. Poderiam até mudar o galinheiro,
colocar atrás da escola."
Segundo o aposentado José
de Abreu Santos, que escreveu
o manifesto antigalo, só o exílio
de João não basta. "É preciso
que enviem também o outro
para bem longe daqui. Agora,
sem o colega, o que ficou está
cantando mais forte do que
nunca. A gente continua a ser
acordado de madrugada."
Para resolver a polêmica, o
vice-diretor já planeja realizar
uma ampla consulta popular. E
promete: "Se o galo perder, a
gente se rende. Mas, se ganhar,
vamos dar uma festona para receber o João de volta".
O taxista Amilton Mesquita,
59, que mora há 45 anos bem
em frente à escola, é um dos
moradores que assinaram o
cartaz pedindo a volta de João.
Segundo ele, o canto do galo fazia parecer que ele morava em
um sítio, mesmo estando em
São Paulo. "E os sabiás que cantam às 5h? Vão tirá-los também?", pergunta.
Colaboraram IURI DE CASTRO TÔRRES e
JEAN-PHILIP STRUCK .
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