São Paulo, segunda-feira, 06 de dezembro de 2010

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MOACYR SCLIAR

O único e verdadeiro amor


Atrás das grades, pensava na última mulher que vendeu para um bordel: ele acabara se apaixonando

A polícia indiana anunciou a prisão de um homem que havia casado com 60 mulheres, para em seguida vendê-las a prostíbulos. Ele se apresentava como soldado bem pago do exército indiano e mudava frequentemente de lugar para enganar as meninas de famílias pobres das plantações de chá. Por cada uma das moças o homem obtinha entre 70 mil e 100 mil rúpias (1.150 a 1.650 euros).
FOLHA.COM

Preso, o homem que tinha casado com 60 mulheres apenas para vendê-las a prostíbulos declarou que de nada se arrependia.
Em primeiro lugar, disse, 60 mulheres é quase nada quando a gente pensa naqueles grandes e famosos haréns, com centenas e até milhares de esposas e de concubinas.
Depois, achava que as moças deveriam até mostrar-se gratas a ele. Considerava-se um artista do sexo, um amante sensível, delicado, experiente. Graças a isso, 60 virgens haviam descoberto, enlevadas, o mundo do sexo.
Sim, haviam se tornado prostitutas. Mas afinal de contas, trata-se de uma profissão (a mais antiga do mundo, segundo um dito famoso), e, conforme o bordel, muito bem paga.
Para jovens pobres que normalmente estariam condenadas a uma vida de pobreza, trabalhando em plantações de chá e cuidando da filharada, aquilo era mais que uma ajuda, era uma bênção.
Na verdade, até que ele tinha cobrado pouco por seus diversificados e eficientes serviços.
Infelizmente, porém, a polícia entendera a coisa de outra maneira e agora ele estava atrás de grades.
Passava o tempo pensando nas suas mulheres.
Melhor dizendo: pensava numa mulher. A última. Com todas as outras tivera prazer, com todas as outras vivera bons momentos, mas a última... Ah, a última havia sido diferente. Não que fosse especialmente bonita, ou inteligente, ou sensual. Não, era uma mocinha comum. Mas por alguma razão mobilizara seus sentimentos.
Ele acabara se apaixonando. Até pensara em encerrar com a jovem sua carreira de fornecedor de bordéis, tornando-se um esposo exemplar, um pai exemplar. Mas reagiu vigorosamente contra o que considerou uma atitude de fraqueza.
Não, ele havia inaugurado uma verdadeira carreira empresarial, já tinha um nome consolidado na praça, novos clientes aguardavam as moças que ele poderia fornecer. De modo que, como de costume, levou a amada a um bordel e vendeu-a por uma quantia que aliás não foi nada excepcional.
Agora, preso, sente falta da jovem. Espera impaciente pelo dia em que será solto. A primeira coisa que fará será procurá-la. Mas sabe que existe nisso um grau não pequeno de incerteza. Será que ela o receberá? Será que cairá em seus braços, chorando de felicidade?
Isso é uma possibilidade. A outra é de que ela o trate como um cliente comum: "Meus serviços custam tanto". Esse " tanto" representando uma quantia elevada, um preço que, agora sem dinheiro, ele não terá como pagar. E assim descobrirá, para seu eterno pesar, que renunciar a um verdadeiro amor pode custar muito caro.

MOACYR SCLIAR escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal.

moacyr.scliar@uol.com.br


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