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"Vagabundo" diz que trabalha desde os 10 e que votou na chapa Serra/Kassab
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Ainda com dor de dente, o
microempresário Kaiser Paiva
Celestino da Silva, 47, disse que
perdoa o prefeito Gilberto Kassab (PFL), que anteontem enxotou-o de um posto de saúde
em São Paulo, xingando-o de
"Vagabundo, vagabundo".
Kaiser recusou a ajuda em dinheiro oferecida por um programa vespertino de televisão.
"Eu sou trabalhador, não aceito
esmola", disse no ar. Em vez
disso, ofereceu-se para adesivar e pintar o ônibus da emissora de TV -remuneradamente,
é claro, "porque senão vicia o
cidadão", disse, citando.
Na casa da rua Cecília Calovini, na Vila Zatt, que Kaiser divide com a mulher, Lúcia, com os
filhos Samuel, 7, e Maiara, 5, e
com a oficina de cartazes praticamente desativada desde o final do ano passado, por causa
da Lei Cidade Limpa (que restringe a publicidade exterior), o
aluguel está atrasado. Credores
são driblados à custa de empréstimos de vizinhos e parentes. Também a igreja evangélica Cristo Centro dá uma força.
Anteontem, nem era para
Kaiser ter ido ao posto de saúde
Pereira Barreto, bairro de Pirituba, onde o prefeito Kassab
inaugurava uma unidade de assistência médica ambulatorial.
Quem costuma levar as crianças ao médico é Lúcia. Mas a
mulher tinha outro destino
-conseguir alguém que ajudasse nas contas de água e luz,
antes que as concessionárias
cortassem o fornecimento.
Sobrou para Kaiser levar os
potinhos com fezes e urina das
crianças ao posto, conforme
pedido médico de 31 de janeiro.
Aproveitaria para pedir que algum dos dentistas extirpasse o
dente do ciso do lado esquerdo,
inflamado e latejando. Não foi
atendido (encaminharam-no
para outro posto, na Vila Zatt,
onde ele está cadastrado).
Kaiser estava confuso, sob
efeito de calmantes, quando falou à Folha, mais de 24 horas
depois do "Vagabundo, vagabundo". Na pizzaria vizinha, o
funcionário conta que viu
quando o homem chegou em
casa, "chorando como criança".
Líder comunitário, ex-membro do conselho do parque Rodrigo de Gasperi (perto de sua
casa), diplomado em cursos de
responsabilidade social no terceiro setor, Kaiser diz que votou na chapa José Serra/Kassab em 2004. "Foi o meu filho
Samuel que, na cabine indevassável, digitou o número 45",
conta. O menino aprova.
O mesmo Samuel acompanhava Kaiser anteontem no
posto de saúde. Assustado com
a gritaria, o menino escondeu-se atrás de um poste do outro
lado da rua. Ontem, Samuel se
lembrava da primeira coisa que
disse ao pai, depois do incidente: "Pai, por que ele chamou você de vagabundo?"
"Isso é o que mais dói. Eu
trabalho desde os dez anos",
diz Kaiser, órfão de pai e mãe
que ajudou a criar os cinco irmãos menores.
Logo depois da confusão, a
prefeitura soltou uma nota oficial em que dizia que Kaiser estava no posto de saúde Pereira
Barreto só "para tumultuar", já
que ele e seu filho "são cadastrados na Vila Zatt". Ontem, a
assessoria de imprensa da secretaria da Saúde admitiu que
os filhos do microempresário
são pacientes do posto de saúde Pereira Barreto.
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