São Paulo, domingo, 07 de fevereiro de 2010

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Gays dizem que só eles encaram rainhas de perto

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

É preciso ser gay. Os encarregados de vestir a madrinha da bateria de uma escola de samba afirmam que o macho-muito-macho não resistiria à emoção de besuntar de óleo o corpo da musa, nem de ajudá-la a colocar o fio dental (ajeitando aquele penacho mal acomodado na traseira da fantasia) e, muito menos, de resolver friamente a emergência de um arame partido no microtop que decora os seios durinhos dela.
"A gente olha para a rainha como uma escultura. Um homem [heterossexual] não conseguiria chegar nem à metade do caminho sem querer avançar na mulher", acredita o estilista Tony Tara, 42, que veste Renata Santos, 28, rainha da bateria da Mangueira.
Com o nariz a dois dedos da nádega esquerda de Renata (1,70 m de altura, 63 kg, 102 cm de quadril), Tara ajeita o macaquinho pink hiperjusto dela, durante o ensaio na quadra da escola. A rainha abre ligeiramente as pernas, para que ele arranque um fiapo de linha que pende da peça feita de renda e cristais. Tudo o que Tara consegue ver, entre as duas virilhas do mulherão, é o fiapo.
"Já perdi a conta dos amigos que se oferecem para me ajudar a vestir a Renata. Eles dizem que não vão atrapalhar, que ficam quietinhos", diz, rindo.
Antes dele, quem ajudava Renata na concentração era o próprio marido dela, o empresário André Moreira, 37, sujeito ainda mais invejado que Tara -mas não tão talentoso. "Eu ficava nervoso, atrapalhava mais que ajudava."
A confecção da indumentária da rainha, por menor que seja, começa cerca de quatro meses antes do Carnaval. O especialista em "traje sensual" se encarrega de todo o guarda-roupa da musa. "Só para o cruzeiro do Roberto Carlos, fiz três vestidos de noite. Mas não era nada tipo "periguete'", explica Luiz Fernando Gomes, 32, montador da rainha da bateria da Vila Isabel, Gracyanne Barbosa, 25.
A roupa do desfile pode chegar a R$ 50 mil. Pela mão de obra, eles cobram cerca de 10% disso. "Só uma pena de pavão custa R$ 130, querido!" A escola paga (a menos que a rainha não seja da comunidade).
A vocação de Luiz Fernando é antiga. Quando criança, seu sonho era ganhar uma Barbie (conseguiu apenas um Falcon): "Na frente dos meus pais, eu vestia o boneco com roupa de guerra; eles viravam as costas, e eu transformava o Falcon numa drag queen."
Gracyanne diz que prefere os gays (para vesti-la) do que os homens e, até, as mulheres. "Elas têm o próprio cabelo para cuidar, não ia dar certo."
"Nós somos a boneca deles [montadores de rainhas]", diz Renata Frisson, 23, a "mulher melão", rainha da bateria da Lins Imperial.
Michel Massola, 24, "apoio" de Frisson, explica que nesse desfibrar cardio-afetivo estão incluídos a aplicação de um emplastro "na perereca dela" para fixar a calcinha e um adesivo transparente para esconder os bicos dos seios.

Pioneira
A primeira rainha com status de musa foi Monique Evans, em 1985, pela Mocidade Independente de Padre Miguel. "Mas eu não tinha bichinha de apoio! Chegava enrolada numa canga, ia pro barracão e vesti
a um biquininho de mulata." Por causa do caráter improvisado da produção, Monique estrelou o primeiro topless involuntário da Sapucaí. "A estrela de strass de um dos peitos caiu. Pintaram alguma coisa em cima, mas ainda assim o peito ficou descoberto. Foi um espetáculo do mesmo jeito. Sempre era. Foram 20 anos inesquecíveis!"

Veja o especial de Carnaval
www.folha.com.br/100191


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