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São Paulo, sexta-feira, 07 de março de 2003

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Para psicóloga, cidade serve como "redoma"

GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Se há algo que une adolescentes de todas as classes sociais de Brasília é o fato de eles descreverem a capital federal como "uma cidade protegida que joga os mendigos para as cidades-satélites e que limpa o que não serve".
É por isso que a socióloga Mirian Abramovay diz que Brasília "é uma redoma que faz com que os adolescentes fiquem alheios ao outro". "Outro", nesse caso, é qualquer pessoa diferente do círculo de amigos da escola, da faculdade ou dos vizinhos.
Esse não reconhecimento funciona como uma espécie de "passe-livre", que permite aos jovens passar por cima de quem não é seu "igual".
A opinião de Abramovay, que é consultora de pesquisas da Unesco (o órgão das Nações Unidas que atua nas áreas de educação, ciência e cultura), é baseada em uma pesquisa que ela coordenou, em 1998, logo depois que quatro jovens queimaram vivo o índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, em uma das avenidas mais movimentadas de Brasília.
Para a pesquisa foram entrevistados 401 jovens entre 14 e 20 anos de escolas públicas e privadas da capital federal e 400 adultos, entre pais e professores. O que ainda chama a atenção de Abramovay é o fato de os jovens de diferentes classes sociais pouco ou nunca se encontrarem.
Abramovay disse que, da época em que foi feita a pesquisa até hoje, só mudou o ponto de encontro dos jovens abastados de Brasília. Para ela, a separação (física) radical entre pobres e ricos faz com que muitos jovens das classes altas não tenham "responsabilidade social" e não respeitem regras de convivência.

Cidades-satélites
Brasília é uma cidade praticamente sem favelas ou bairros operários. Essa população vive nas chamadas cidades-satélites, como Ceilândia, Recanto das Emas ou Samambaia. Taguatinga e Guará, as maiores, já viraram reduto da classe média e seus filhos estudam na capital -obedecendo, então, à lógica dos moradores da cidade.
Além do fato de em Brasília as pessoas de classe social diferente "não se misturarem", o sentimento de impunidade, devido à proximidade com o poder, contribui, segundo Abramovay, para que os adolescentes cometam crimes sem temer punição.
Os adolescentes que explodiram um cômodo da pousada em Nova Viçosa deixaram um bilhete reconhecendo a autoria do fato. No ano passado, um grupo de jovens brasilienses espancou até a morte um garçom na passarela do álcool, um local movimentado de Porto Seguro. Galdino, lembrou Abramovay, foi queimado vivo em uma avenida central.


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