São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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HISTÓRIA

Projeto da Unesp de Franca (SP) defende que período de efervescência cultural do Estado ocorreu longe da capital

SP teve "belle époque" com sotaque caipira

RICARDO GALLO
FREE-LANCE PARA A FOLHA RIBEIRÃO

O idioma da moda era o francês. A vida incluía a ida a sessões de cinema e ao teatro. Os personagens eram da elite cafeeira da República Velha (1889-1930) e o cenário, o interior do Estado de São Paulo. Isso mesmo: o interior.
Resultado de nove anos de pesquisa, dissertações e teses, um projeto da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Franca defende que a efervescência cultural no Estado estava muito longe da capital, em meio aos cafezais do interior, que moviam a economia da época -a vanguarda de então construía teatros, edifícios e importava aparelhos modernos.
O trabalho reúne atualmente 4.800 fotos e um sem-número de documentos históricos pesquisados em arquivos públicos e bibliotecas de 12 cidades do interior, além de São Paulo, do Rio de Janeiro e do município mineiro de Araxá. Em breve, esse material vai se transformar no livro "A Belle Époque Caipira", uma época inspirada pela influência da cultura francesa no Brasil, no final do século 19 e começo do século 20.
"Tudo acontecia antes no interior", diz o historiador José Evaldo de Mello Doin, coordenador do projeto, que tem a participação de oito doutorandos da Unesp.
A "belle époque" interiorana representou a influência européia e a diversidade de estilos arquitetônicos, uma apropriação da reforma feita em Paris por Georges-Eugène Hausmann na segunda metade do século 19, que geometrizou quarteirões e criou bulevares e grandes avenidas.
A idéia da elite do interior paulista era superar o passado colonial. O Hôtel de Ville (prefeitura) de Paris, por exemplo, serviu de inspiração para a construção do palácio Campos Elíseos -por muitos anos sede da Prefeitura de São Paulo-, e do palácio Rio Branco, que abriga a Prefeitura de Ribeirão Preto, ambos construídos no início do século 20.
Os quarteirões triangulares e o excesso de linhas retas, marcas do trabalho de Hausmann, também foram adotados no interior. Em Franca, foi assim que a avenida Francana, no atual bairro Presidente Vargas, foi projetada.
A mistura de estilos arquitetônicos marcou também a construção do teatro da cidade, o Santa Clara, aberto em 1874 -37 anos antes da inauguração do Teatro Municipal de São Paulo (1911). Processo semelhante ocorreu com o teatro Carlos Gomes, em Ribeirão Preto, fundado em 1897 e construído pelo escritório do arquiteto Ramos de Azevedo, também responsável pelo teatro da capital, réplica menor do Ópera de Paris. É em Ribeirão também que fica o Teatro Pedro 2º, outro remanescente do final da "belle époque".
Nos teatros, a ebulição era intensa, aponta a pesquisa, com a apresentação de artistas de renome à época, como a atriz italiana Clara Della Guardia (1865-1937).
Uma foto obtida pelo grupo da Unesp, da década de 10, mostra Guardia em Ribeirão Preto, ao lado de políticos locais. "O teatro era o símbolo da belle époque. Naquela época, ele era visto como uma escola de bons costumes", diz a historiadora Higina Marques, 26, aluna de Doin.
Ela é dona de uma coleção de cartazes das companhias que se exibiam à época. Um deles ostra Guardia, em passagem por Mococa, no teatro Variedades, inaugurado em 1912. Vagem ao interior era lucro certo. "Os empresários colhiam assinaturas, e os ingressos eram vendidos antes de a peça chegar à cidade", diz Marques.
O cinema também despontava em terras interioranas. A mesma Mococa assistiu, no Theatro São Sebastião, à primeira exibição do cinematógrafo em 1897, dois anos depois da invenção do aparelho -um precursor do cinema. Em São Carlos, o invento também era usado antes da virada do século 19. O modernismo interiorano era amparado pelos milionários cafeicultores da época que, em Araraquara, financiaram a construção do Clube Araraquarense, onde receberam, em novembro de 1886, a visita do imperador Pedro 2º, o primeiro a assinar o livro de visitantes do clube.



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