|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
HISTÓRIA
Projeto da Unesp de Franca (SP) defende que período de efervescência cultural do Estado ocorreu longe da capital
SP teve "belle époque" com sotaque caipira
RICARDO GALLO
FREE-LANCE PARA A FOLHA RIBEIRÃO
O idioma da moda era o francês.
A vida incluía a ida a sessões de cinema e ao teatro. Os personagens
eram da elite cafeeira da República Velha (1889-1930) e o cenário, o
interior do Estado de São Paulo.
Isso mesmo: o interior.
Resultado de nove anos de pesquisa, dissertações e teses, um
projeto da Unesp (Universidade
Estadual Paulista) de Franca defende que a efervescência cultural
no Estado estava muito longe da
capital, em meio aos cafezais do
interior, que moviam a economia
da época -a vanguarda de então
construía teatros, edifícios e importava aparelhos modernos.
O trabalho reúne atualmente
4.800 fotos e um sem-número de
documentos históricos pesquisados em arquivos públicos e bibliotecas de 12 cidades do interior,
além de São Paulo, do Rio de Janeiro e do município mineiro de
Araxá. Em breve, esse material vai
se transformar no livro "A Belle
Époque Caipira", uma época inspirada pela influência da cultura
francesa no Brasil, no final do século 19 e começo do século 20.
"Tudo acontecia antes no interior", diz o historiador José Evaldo de Mello Doin, coordenador
do projeto, que tem a participação
de oito doutorandos da Unesp.
A "belle époque" interiorana representou a influência européia e
a diversidade de estilos arquitetônicos, uma apropriação da reforma feita em Paris por Georges-Eugène Hausmann na segunda
metade do século 19, que geometrizou quarteirões e criou bulevares e grandes avenidas.
A idéia da elite do interior paulista era superar o passado colonial. O Hôtel de Ville (prefeitura)
de Paris, por exemplo, serviu de
inspiração para a construção do
palácio Campos Elíseos -por
muitos anos sede da Prefeitura de
São Paulo-, e do palácio Rio
Branco, que abriga a Prefeitura de
Ribeirão Preto, ambos construídos no início do século 20.
Os quarteirões triangulares e o
excesso de linhas retas, marcas do
trabalho de Hausmann, também
foram adotados no interior. Em
Franca, foi assim que a avenida
Francana, no atual bairro Presidente Vargas, foi projetada.
A mistura de estilos arquitetônicos marcou também a construção
do teatro da cidade, o Santa Clara,
aberto em 1874 -37 anos antes
da inauguração do Teatro Municipal de São Paulo (1911). Processo semelhante ocorreu com o teatro Carlos Gomes, em Ribeirão
Preto, fundado em 1897 e construído pelo escritório do arquiteto
Ramos de Azevedo, também responsável pelo teatro da capital, réplica menor do Ópera de Paris. É
em Ribeirão também que fica o
Teatro Pedro 2º, outro remanescente do final da "belle époque".
Nos teatros, a ebulição era intensa, aponta a pesquisa, com a
apresentação de artistas de renome à época, como a atriz italiana
Clara Della Guardia (1865-1937).
Uma foto obtida pelo grupo da
Unesp, da década de 10, mostra
Guardia em Ribeirão Preto, ao lado de políticos locais. "O teatro
era o símbolo da belle époque.
Naquela época, ele era visto como
uma escola de bons costumes",
diz a historiadora Higina Marques, 26, aluna de Doin.
Ela é dona de uma coleção de
cartazes das companhias que se
exibiam à época. Um deles ostra
Guardia, em passagem por Mococa, no teatro Variedades, inaugurado em 1912. Vagem ao interior
era lucro certo. "Os empresários
colhiam assinaturas, e os ingressos eram vendidos antes de a peça
chegar à cidade", diz Marques.
O cinema também despontava
em terras interioranas. A mesma
Mococa assistiu, no Theatro São
Sebastião, à primeira exibição do
cinematógrafo em 1897, dois anos
depois da invenção do aparelho
-um precursor do cinema. Em
São Carlos, o invento também era
usado antes da virada do século
19. O modernismo interiorano era
amparado pelos milionários cafeicultores da época que, em Araraquara, financiaram a construção do Clube Araraquarense, onde receberam, em novembro de
1886, a visita do imperador Pedro
2º, o primeiro a assinar o livro de
visitantes do clube.
Texto Anterior: Mortes Próximo Texto: Crise de 29 pôs fim à vanguarda interiorana Índice
|