São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PATRIMÔNIO

Proprietário pretende fazer clube GLS em prédio histórico no centro do Rio, mas enfrenta oposição de ocupantes

Sem-teto e empresário disputam palacete

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

Um casarão histórico na Lapa, bairro boêmio do centro do Rio de Janeiro, virou alvo de uma disputa entre cerca de 75 famílias sem-teto que há anos ocupam o local e um empresário que planeja criar no local um clube GLS (para gays, lésbicas e simpatizantes).
Chamado de palacete Bragança, o prédio, em péssimo estado de conservação, foi interditado pela Defesa Civil do Município, que vê ameaça de desabamento.
O casarão integra o corredor cultural da capital fluminense, um conjunto de 3.000 imóveis de interesse histórico. Fica entre os Arcos da Lapa e a sala de espetáculos Cecília Meirelles, em uma região que, depois de ganhar fama como um reduto da malandragem carioca, é atualmente um ponto de jovens de classe média, turistas e sambistas.
A Prefeitura do Rio de Janeiro aponta oficialmente como proprietário cadastrado no registro geral de imóveis o empresário Nilton Pereira, 64, e já o notificou pelo mau estado do prédio. Laudo emitido pela Defesa Civil em 16 de maio de 2003 aponta risco de desprendimento do revestimento e da fachada, corrosão na estrutura metálica, queda de reboco interno e risco latente de desabamento.
O prédio pertencia à família de Morais Dias de Oliveira, o visconde de Morais. O escritório do corredor cultural do Rio de Janeiro afirma que o prédio é do fim do século 19 e abrigou o Hotel Bragança, então um dos mais chiques da cidade, que era freqüentado pela alta sociedade carioca. O hotel funcionou até os anos 30 e, depois disso, os descendentes do visconde alugaram os quartos para particulares.
O prédio tem hoje cinco pavimentos (térreo e quatro andares) e duas torres. São 75 quartos, alguns com banheiro próprio e outros servidos por um banheiro coletivo no corredor.
"O conjunto arquitetônico dos prédios históricos da área é do chamado período eclético, da virada do século 19 para o 20, misturando vários estilos. O Bragança é um dos mais bonitos e tem elementos do estilo neoclássico francês, como as torres", afirma o arquiteto Roberto Anderson Magalhães, responsável pelo projeto Distrito Cultural da Lapa do Inepac (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural). De acordo com ele, o instituto reconhece a propriedade privada do prédio.

Despejo
O empresário Nilton Pereira afirma que comprou o palacete em 1982 de uma herdeira do visconde e que o alugou para uma empresa que planejava fazer no local um estacionamento -o que nunca aconteceu. Segundo o empresário, no ano seguinte, o prédio foi desapropriado pela prefeitura e depois devolvido.
Pereira disse que moverá uma ação de despejo para retirar os cerca de 250 moradores do edifício, recuperá-lo e construir o clube, orçado em US$ 9,5 milhões. "Nunca cobrei aluguel deles porque não ia usar o prédio", afirma.
Pelo projeto -que ainda não foi apresentado à prefeitura carioca-, a fachada seria preservada, de acordo com a lei, mas o interior sofreria modificações. Pereira planeja chamar a petista Marta Suplicy, prefeita de São Paulo e autora do projeto de lei de união civil homossexual, para ser madrinha do clube.
Os ocupantes do Bragança questionam o direito de Pereira sobre o palacete. O aposentado Rubens Bahia, 58, representante dos moradores, afirma que chegou ao prédio em 1981, quando ainda pagava aluguel mensal.
Segundo os moradores, Pereira teria feito uma permuta de outros prédios seus na área com um antigo procurador da família Morais, ficando em troca com uma parte do palacete. Pelo relato dos moradores, Pereira teria comprado o térreo do prédio, onde existe uma loja, e não os quartos.



Texto Anterior: Outro lado: Para prefeitura, familiares não buscam apoio
Próximo Texto: Moradora guarda "recibo" da posse do quarto
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.