São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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Moradora guarda "recibo" da posse do quarto

DA SUCURSAL DO RIO

A vendedora ambulante Tânia Maria de Souza, 46, ainda guarda o recibo referente à "compra" da posse do quarto 53 do palacete Bragança. Pagou, em 1992, Cr$ 1 milhão para morar no quartinho com sala anexa e um banheiro próprio.
Mesmo de fundos, sem a vista do largo da Lapa, o quartinho era um dos melhores do prédio. Lá nasceu o segundo filho de Tânia, Vianey Jr., hoje com nove anos. Tânia mora com o garoto e a filha mais velha, Débora, 28, formada em serviço social e à procura de emprego.
"Criei meus filhos aqui. Paguei com sacrifício. Sei que é uma posse, mas não tenho para onde ir. Se eu tiver de sair, vai ser horrível", diz a vendedora.
Ela instalou uma caixa-d'água no alto do quartinho -o pé-direito é de aproximadamente seis metros-, conseguiu comprar geladeira, TV e som. Quando perdeu o emprego de costureira, a situação financeira piorou. Hoje, ganha cerca de R$ 15 quando o dia está bom e faz calor.
Quando ouve falar do risco de desabamento do edifício, tem medo. "Fico receosa, principalmente quando chove. Mas o que é que eu posso fazer? Não tenho outro lugar para ir", diz.
Entre os moradores, há muitos ambulantes, desempregados, aposentados e gente sem profissão definida. Há também muitos migrantes nordestinos.
Os moradores pagam cerca de R$ 50 mensais a título de condomínio. O dinheiro é administrado por uma comissão coordenada pelo aposentado Rubens Bahia, que atua como síndico do prédio.
O dinheiro do condomínio está ajudando na recuperação da antiga escada de ferro, um dos orgulhos de Bahia. A obra não foi concluída, e a subida é feita por uma escada de madeira estreita, com degraus escorregadios.
Quando sobra dinheiro da carrocinha de cachorro-quente, Maria Cristina Fiais de Oliveira, 47, ajuda no condomínio. Ela tem 13 filhos, dois morando com ela num quartinho sem banheiro. Os demais ficaram na Bahia. Cristina e os filhos Leonardo, 2, e Odilon, 17, dormem divididos entre um sofá e um colchonete no chão, perto do fogão de duas bocas e do botijão de gás. A geladeira, quebrada, serve como despensa.
Quando chegou ao Rio, Cristina morou nas ruas da Lapa, pagou diária a um amigo que vivia no Bragança, brigou, saiu e, há dez anos, acabou voltando, chamada por outro amigo. "Ele disse que o quarto estava livre, peguei a chave e entrei. Não paguei nada. Se me derem um lugar para ir, eu vou. Mas para a rua não volto."



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