São Paulo, quinta-feira, 07 de abril de 2005

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REDUTO DO CRACK

Usuários de droga evitam área policiada dia e noite e ocupam praça a três quarteirões de distância

Cracolândia resiste, agora em novo endereço

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Há, em São Paulo, uma nova "cracolândia". Enquanto a região antes conhecida por esse nome encontra-se sitiada por cerca de 70 policiais que se revezam na ronda local diariamente, a três quarteirões dali, no escuro da praça Júlio Prestes, toda noite cintilam pequenas faíscas.
Faíscas que viram fogo, queimam pedrinhas brancas e produzem uma fumaça aspirada em cachimbos improvisados, que passam de mão em mão entre homens, mulheres e crianças.
A polícia chega. Os nóias (nome dado aos usuários de crack) fogem. A polícia sai. Os nóias voltam. E seguem assim madrugada adentro, numa espécie de brincadeira de gato e rato.
A Operação Limpa -ofensiva policial promovida no início de março pela administração de José Serra como instrumento de revitalização da região conhecida como "cracolândia"- apenas mudou de endereço o cenário degrado que pretendia combater.
A nova "cracolândia" de São Paulo se encerra entre a avenida Duque de Caxias, a alameda Glete e as ruas Cleveland e Dino Bueno.
A concentração de usuários de crack, que deram o apelido à região, migraram da rua General Couto de Magalhães para a praça Júlio Prestes. E ali permanecem, a menos de cem metros de uma das bases policiais instaladas na praça durante a operação.
"O bagulho ficou embaçado", dizia um usuário de 15 anos -e estatura de uma criança de dez-, enrolado em um cobertor.
Na madrugada de ontem, no bar localizado na esquina da praça Júlio Prestes com a avenida Duque de Caxias, o vai-e-vem de nóias era frenético. Caminhavam de uma rua para outra atrás de trocados para comprar pedras.
Nessa esquina, dois travestis tiravam dos bolsos mãos cheias de moedas de R$ 0,10 e R$ 0,25. No total, haviam reunido pouco mais de R$ 6. "Você troca pra gente?", perguntou um deles à reportagem da Folha -que passou a noite rodando a região. "Eles não aceitam moeda como pagamento. Moeda faz barulho nos bolsos e é mais difícil de esconder da polícia."
Pouco depois, uma nova abordagem. "Você compra prata?", perguntou um nóia, exibindo, enterrado até a metade do dedo mindinho, um anel prateado.
Com a redução do número de prostitutas e de traficantes e o fechamento de hotéis, a circulação de dinheiro diminuiu na região. E os nóias se viram como podem.
"Fizeram essa palhaçada toda só para aparecer na TV. É tudo 171 [estelionato]. Fazem onda e, depois, colocam todo mundo de volta na rua", reclama Jurandir Gregório, 59, comerciante cercado pela "nova cracolândia". "Os pilantras saíram de lá e vieram todos para cá. Os nóias precisam de tratamento, não de polícia."
Na semana da Operação Limpa, 496 crianças foram encaminhadas para casas de acolhida. Uma semana depois, 414 já estavam de volta às ruas. O restante permaneceu no sistema.
Os comerciantes da antiga cracolândia, no entanto, comemoram a mudança. "Tudo ficou melhor aqui. A freqüência, a limpeza, a segurança, tudo", diz o balconista Claudemir de Souza.
"Passo lá toda madrugada. As ruas estão limpas, o lixo está sendo retirado. Você não vê mais gente nas ruas fumando crack", comemora o subprefeito da Sé, Andrea Matarazzo. E quanto à nova cracolândia? "É o caos. Parece Bagdá dez minutos depois de os americanos terem passado por lá. Vamos começar a promover ações sociais para as prostitutas e usuários de drogas de lá", diz.


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