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MOACYR SCLIAR
O turista inusitado
Na rota do turismo especial: tudo é
inusitado nessas viagens, do destino
aos programas.
Folhaequilíbrio, 26.abr.2001
Ele chegou ao local do
encontro rigorosamente na
hora marcada. Tal como havia
prometido, a moça que lhe serviria de guia já estava lá, à espera.
Ao vê-lo, sorriu, perguntou se ele
estava pronto para a grande
aventura de sua vida. Claro que
sim, retrucou o homem, de maneira um tanto brusca: aos 42
anos, já tinha escassa paciência
para diálogos convencionais. Percebendo-o, a moça foi direto ao
assunto:
- Vamos então, e de acordo com
o nosso programa, visitar a casa
de Pedro Azir Pereira.
Era a casa que estava diante deles: uma velha mansão, muito dilapidada, a única que restava na
antes tranquila rua do subúrbio,
agora com vários prédios luxuosos. E estava desocupada, o que
talvez antecipasse uma próxima
demolição. A visita não poderia
se realizar em momento mais
oportuno.
A moça abriu a porta e fê-lo entrar. O lugar estava mesmo abandonado, com velhos jornais e caixas de papelão pelos cantos. Subiram pela antes imponente escadaria para o andar de cima. Ela
introduziu-o a um grande aposento:
- Este era o quarto de Pedro
Azir Pereira. Aqui ele foi concebido; aqui nasceu, em uma madrugada de maio, há muitos anos.
Naquela época os partos, sobretudo os de pessoas ricas, eram às vezes realizados no domicílio...
Levou-o para o quarto ao lado:
- Este era o quarto do menino
Pedro Azir Pereira. Aqui ele passou boa parte da sua infância, rodeado de brinquedos. Era um garoto pensativo, um pouco triste,
mas, segundo todos os testemunhos, de bom coração. Ali, naquela parede, ficava a prateleira onde ele colocava seus livros infantis. Pedro Azir Pereira lia muito.
Sabe-se que escrevia, também.
Historinhas, claro, mas com muita imaginação.
Foram até o fim do corredor,
onde havia um quartinho acanhado.
- Este era o quarto da criada,
Luiza. Moça do interior, havia sido contratada para tomar conta
do menino Pedro Azir Pereira.
Foi com ela que ele fez amor pela
primeira vez, aos 14 anos... Vamos descer para o salão onde funcionava a biblioteca? Pedro Azir
Pereira gostava muito daquele lugar...
Ele consultou o relógio. Não,
não havia tempo para isso: executivo ocupado, tinha uma importante reunião naquele dia. De
modo que pagou à guia o estipulado, agradecendo-lhe com efusão. Vacilou um instante e depois
perguntou, não sem certa inquietude, como ela sabia tantas coisas
daquela casa. A moça sorriu:
- Minha mãe me contou. Sou filha da Luiza.
Ele não disse nada. O que não
era de estranhar. Se havia um homem capaz de controlar suas
emoções, esse homem era ele, Pedro Azir Pereira.
O escritor Moacyr Scliar escreve nesta
coluna, às segundas-feiras, um texto de
ficção baseado em matérias publicadas
no jornal.
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