São Paulo, segunda-feira, 07 de maio de 2001

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MOACYR SCLIAR O turista inusitado

 Na rota do turismo especial: tudo é inusitado nessas viagens, do destino aos programas. Folhaequilíbrio, 26.abr.2001 Ele chegou ao local do encontro rigorosamente na hora marcada. Tal como havia prometido, a moça que lhe serviria de guia já estava lá, à espera. Ao vê-lo, sorriu, perguntou se ele estava pronto para a grande aventura de sua vida. Claro que sim, retrucou o homem, de maneira um tanto brusca: aos 42 anos, já tinha escassa paciência para diálogos convencionais. Percebendo-o, a moça foi direto ao assunto:
- Vamos então, e de acordo com o nosso programa, visitar a casa de Pedro Azir Pereira.
Era a casa que estava diante deles: uma velha mansão, muito dilapidada, a única que restava na antes tranquila rua do subúrbio, agora com vários prédios luxuosos. E estava desocupada, o que talvez antecipasse uma próxima demolição. A visita não poderia se realizar em momento mais oportuno.
A moça abriu a porta e fê-lo entrar. O lugar estava mesmo abandonado, com velhos jornais e caixas de papelão pelos cantos. Subiram pela antes imponente escadaria para o andar de cima. Ela introduziu-o a um grande aposento:
- Este era o quarto de Pedro Azir Pereira. Aqui ele foi concebido; aqui nasceu, em uma madrugada de maio, há muitos anos. Naquela época os partos, sobretudo os de pessoas ricas, eram às vezes realizados no domicílio...
Levou-o para o quarto ao lado:
- Este era o quarto do menino Pedro Azir Pereira. Aqui ele passou boa parte da sua infância, rodeado de brinquedos. Era um garoto pensativo, um pouco triste, mas, segundo todos os testemunhos, de bom coração. Ali, naquela parede, ficava a prateleira onde ele colocava seus livros infantis. Pedro Azir Pereira lia muito. Sabe-se que escrevia, também. Historinhas, claro, mas com muita imaginação.
Foram até o fim do corredor, onde havia um quartinho acanhado.
- Este era o quarto da criada, Luiza. Moça do interior, havia sido contratada para tomar conta do menino Pedro Azir Pereira. Foi com ela que ele fez amor pela primeira vez, aos 14 anos... Vamos descer para o salão onde funcionava a biblioteca? Pedro Azir Pereira gostava muito daquele lugar...
Ele consultou o relógio. Não, não havia tempo para isso: executivo ocupado, tinha uma importante reunião naquele dia. De modo que pagou à guia o estipulado, agradecendo-lhe com efusão. Vacilou um instante e depois perguntou, não sem certa inquietude, como ela sabia tantas coisas daquela casa. A moça sorriu:
- Minha mãe me contou. Sou filha da Luiza.
Ele não disse nada. O que não era de estranhar. Se havia um homem capaz de controlar suas emoções, esse homem era ele, Pedro Azir Pereira.


O escritor Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.



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