São Paulo, segunda-feira, 07 de maio de 2001

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SAÚDE
Mortes e dependência por consumo de opióides aumentam preconceito contra tratamentos da dor, dizem médicos
Mau uso da morfina prejudica doentes

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O uso indevido das drogas opióides ameaça prejudicar quem mais precisa delas: os pacientes que sofrem dores intensas ou crônicas. Os opióides, como são chamados os derivados da morfina, naturais ou sintéticos, são os analgésicos mais potentes e seguros.
São também os mais desviados para "uso recreativo". A "heroína em cápsula", como é chamada, provoca dependência rápida e já causou dezenas de mortes por overdose nos EUA.
A cada vez que as notícias destacam o lado danoso dos opióides, aumentam a rejeição e o preconceito contra esse medicamento, alertam os especialista. O Brasil, que já foi denunciado por cuidar mal de seus pacientes com dor, consome um décimo da morfina consumida em países como Suécia e Canadá. A resistência ao uso se deve à desinformação e ao preconceito do médico e ao comodismo das farmácias.
Entre os opióides usados indevidamente, no momento, estão a hidrocodona e a oxicodona. A primeira só vai chegar ao país no próximo ano. A segunda desembarcou aqui no ano passado como uma nova esperança para os pacientes. Por ter uma absorção ao longo de 12 horas, e por não ter "picos", o Oxycontin -seu nome comercial- proporcionaria maior conforto ao paciente e reduziria os riscos de dependência.
Nos EUA, há quem defenda a redução na produção dos dois medicamentos. Aqui, os especialistas discordam. "A oxicodona é uma grande promessa para quem trabalha no controle da dor, porque é absorvida em platô, não em picos. O fato de estar sendo usada indevidamente não justifica que se faça restrições", diz Gonzalo Vecina, presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Segundo Vecina, a agência ainda não recebeu nenhum relato de abuso da oxicodona, mas está informada sobre as ocorrências nos EUA.
"O país precisa reduzir sua "opiofobia", não aumentá-la", diz Elisaldo Carlini, titular de psicofarmacologia da Unifesp, que acaba de ser eleito para um comitê internacional de controle de drogas (leia texto abaixo). "Se há mau uso da droga, cabe ao governo melhorar seu controle. Considero um genocídio privar de drogas pacientes que sentem dor."
O professor Manoel Jacobsen Teixeira, do departamento de neurologia da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Centro de Dor do Hospital das Clínicas, diz que "informações distorcidas sobre os opióides acabam dificultando o tratamento da dor".
"Nosso povo já é sofrido e mal medicado. Por falta de conhecimento, aquele médico que já vinha prescrevendo mal vai prescrever pior ainda."
Luciano Braun, presidente da Sociedade Brasileira para o Estado da Dor, diz que a oxicodona já tem 70 anos e seu uso já é bastante conhecido nos últimos cinco anos. Segundo ele, o risco de dependência dos opióides não justifica restrições a seu uso.
"Quem usa o opióide para dor raramente fica dependente", afirma. Ele cita um estudo internacional que acompanhou 11 mil pacientes que tinham usado opióides contra dor por um período. Só quatro ficaram dependentes.
"O que precisamos é de campanhas de educação continuada para ensinar aos médicos como usar as drogas", diz Braun. Este é um dos objetivos do Programa Nacional de Educação Continuada em Dor, coordenado pelo médico João Augusto Figueiró.



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