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Para Temporão, Merck foi intransigente
O ministro da Saúde também rebateu críticas do diretor-gerente da Câmara do Comércio dos EUA, chamando-as de "grosseiras'
Mark Smith havia afirmado que a decisão do governo de quebrar patente de remédio equipara o Brasil à "junta militar da Tailândia"
LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Dois dias depois do licenciamento compulsório do remédio anti-Aids Efavirenz, o ministro José Gomes Temporão
(Saúde) rebateu as críticas ao
governo brasileiro e afirmou
que o laboratório americano
Merck Sharp&Dohme, dono da
patente, foi "intransigente",
"pouco profissional" e não tratou o país com seriedade.
Segundo ele, o Brasil sinalizou que não aceita mais exploração, e a repercussão negativa
está marcada por uma "postura
política de retaliação".
Para o ministro, a equiparação do governo brasileiro à junta militar da Tailândia [país que
também quebrou a patente do
mesmo remédio], feita pelo diretor-gerente da Câmara de
Comércio dos Estados Unidos,
Mark Smith, em entrevista publicada ontem na Folha, foi
uma declaração "grosseira",
"descabida" e "ignorante". E
não haveria uma hipótese de
que o país enfrente retaliações
no comércio com os EUA.
FOLHA - O diretor da Câmara de
Comércio dos Estados Unidos, Mark
Smith, igualou o Brasil à junta militar da Tailândia. O que o sr. achou da
declaração?
JOSÉ GOMES TEMPORÃO - Foi uma
declaração grosseira e descabida, revelando inclusive uma
profunda ignorância em relação a todo o processo no qual se
deu o licenciamento compulsório. Caberia a ele a pergunta:
qual mistério faz com que se
venda esse produto 60% mais
barato a um país governado por
uma junta militar e 60% mais
caro para uma democracia robusta como é a do Brasil?
FOLHA - Ele também alega que o
governo não deveria ter interrompido as negociações.
TEMPORÃO - Isso é uma inverdade. Na realidade, a empresa
demonstrou nunca querer negociar com o governo brasileiro. Em sete reuniões, o único
desconto oferecido foi de 2%.
Depois que publiquei a portaria
de interesse público para o licenciamento compulsório, aí
sim, houve a proposta de 30%.
O ministério considerou insatisfatória e respondeu que não
tínhamos mais interesse em
sentar para conversar, mas que
aguardávamos uma resposta
séria e consistente dentro do
prazo.
FOLHA - O laboratório achou que o
governo estava blefando?
TEMPORÃO - O Brasil mudou. O
governo é sério, coloca o interesse público e a saúde acima
de qualquer questão. Se o laboratório fez essa avaliação, errou
grosseiramente. Por parte da
Merck houve sempre intransigência, pouca seriedade e pouco profissionalismo. Inclusive
houve um problema de falta de
qualidade dos executivos brasileiros da Merck, que nunca levaram a sério nossa proposta e
nunca nos trataram com a seriedade que o Brasil merece.
FOLHA - Os investimentos serão
afugentados?
TEMPORÃO - Todos os nossos
dados mostram o contrário. O
mercado brasileiro está entre
os dez maiores no mundo, movimenta US$ 10 bilhões por ano
e está em crescimento.
FOLHA - O Brasil quer investimentos, mas não exploração?
TEMPORÃO - Exatamente. Queremos regras justas, preços justos e uma relação transparente.
FOLHA - E o efeito negativo em investimentos em pesquisa?
TEMPORÃO - Tenho dados demolidores. A Merck usa 20% de
seu faturamento mundial em
pesquisa e desenvolvimento,
quase US$ 5 bilhões por ano.
No Brasil gasta apenas 0,7%.
FOLHA - A Câmara de Comércio
também disse que o Brasil pode sair
do Sistema Geral de Preferências,
um programa de benefícios fiscais
[pelo qual o país exporta US$ 3,5 bilhões aos EUA].
TEMPORÃO - Isso é uma visão
específica desse senhor, ele não
fala em nome do governo americano. Não há indicação longínqua de que isso possa acontecer. Há uma tentativa de desqualificar e aproximar a decisão do governo brasileiro à pirataria e à quebra de patente. A
decisão do Brasil está totalmente dentro da legalidade.
São argumentos altamente
ideologizados, uma postura política de retaliação.
FOLHA - A Interfarma (Associação
da Indústria Farmacêutica de Pesquisa) disse que o genérico da Índia
não tem qualidade e pode encurtar
a sobrevida de pacientes de Aids em
até dois anos.
TEMPORÃO - É mentira. Temos
documentos da Organização
Mundial da Saúde que garantem a qualidade dos genéricos.
É mais uma declaração irresponsável que cria um clima de
insegurança para os pacientes.
FOLHA - Alguma chance de voltar à
mesa com a Merck?
TEMPORÃO - Por enquanto, silêncio total. Já estamos fazendo o processo de compra dos
genéricos.
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