São Paulo, segunda-feira, 07 de maio de 2007

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MOACYR SCLIAR

Mordomias carcerárias


A prisão era só para transgressores? Pois bem, os seus turistas cometeriam alguma transgressão

 Califórnia oferece prisão "cinco estrelas" para quem pode pagar US$ 82 ao dia. Um condenado sabe que seu débito para com a sociedade deve muitas vezes ser pago na cadeia. Mas uma parcela de californianos dispostos a complementar sua dívida com dinheiro vivo está descobrindo que a pena é quase suportável.
Para delinqüentes cujos crimes são relativamente menores e cujas contas bancárias permaneçam cheias, cerca de uma dúzia de cadeias espalhadas pela Califórnia, nos EUA, oferecem "upgrades". São alternativas mais limpas e mais tranqüilas às celas normais das cadeias públicas.
Por algo entre US$ 75 e US$ 127 por dia, condenados conseguem uma pequena cela sem barras a uma confortável distância de presos violentos. Em alguns casos, estão autorizados a levar um laptop.
Muitos dos detentos têm permissão para trabalhar fora da cadeia e voltam para dormir.
Um cliente típico é um homem na casa dos 30 anos condenado a sentenças de um ou dois meses. Mas existem também hóspedes de uma única noite e gente que passa até um ano.
Críticos dessas prisões afirmam que elas fazem parte de um sistema que cria injustiças ao oferecer vantagens a quem possa pagar.
Já os defensores dizem que os apenados pagantes, que às vezes deixam milhares de dólares, ajudam a economizar o dinheiro do contribuinte. Folha de S.Paulo

QUANDO ELE leu a notícia sobre a prisão "cinco estrelas" na Califórnia, ficou alvoroçado. Dono de uma pequena, e não muito bem sucedida, agência de viagens, pressentia ali um verdadeiro filão, para o qual logo bolou um nome: turismo prisional.
A idéia era levar grupos de turistas amantes de aventura para se hospedarem nas prisões californianas, com direito às mordomias permitidas pela lei. Com o original empreendimento, sem dúvida, se projetaria no ramo.
Dois dias depois viajou à Califórnia. Procurou o administrador de uma das prisões "cinco estrelas" e propôs o negócio. O administrador, homem amável, gentil, recebeu-o bem, ouviu com interesse, mas disse que infelizmente havia um grande problema: a prisão "cinco estrelas" destinava-se a transgressores, e somente a transgressores. Turistas normais estavam automaticamente excluídos dessa categoria e não poderiam usar as celas, nem mesmo para conhecê-las.
Ele ficou muito frustrado. Mas, homem persistente, decidiu que não abandonaria assim o seu projeto. A prisão era só para transgressores? Pois bem, os seus turistas cometeriam alguma transgressão. Uma pequena transgressão que resultasse em, por exemplo, uma semana de prisão "cinco estrelas".
Resolveu fazer um teste para ver como funcionaria a coisa. Naquela mesma tarde entrou numa pequena agência bancária, gritando que era um assalto. Não era assalto coisa nenhuma, e nem armado ele estava, mas conseguiu o que queria: foi preso. E aí ocorreu o inesperado: ao invés da sentença leve que tinha previsto, foi condenado a oito meses de prisão ("cinco estrelas", claro). Gastou muito mais do que imaginara.
Além das diárias, as despesas extras em telefonemas e em alimentação (gostava de comer bem) não foram pequenas. Para liquidar a astronômica conta, foi obrigado a pedir dinheiro emprestado.
É uma dívida que não tem como pagar. De modo que só lhe resta uma alternativa: assaltar um banco. É o que fará. E, se for preso, recusará, com toda a convicção, a prisão "cinco estrelas".


MOACYR SCLIAR escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas na Folha de S.Paulo.


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