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MOACYR SCLIAR
Aquele estranho hábito, dormir
O que o bisavô queria dizer com isso? O velho tenta explicar: a gente via coisas, pessoas que não existiam
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Paulistanos dormem cada vez menos,
segundo pesquisa. "São Paulo é
uma cidade "24 horas", cheia de atividades sociais e profissionais. Isso
pode colaborar para a redução das
horas de sono", diz o biólogo Rogério Santos-Silva, da Universidade
Federal de São Paulo, um dos autores do estudo, que será publicado
na "Sleep Medicine". A empresária
Deborah Sollito Ventura, 47, trocou
o dia pela noite. "Comecei a levar
trabalho para casa porque gosto da
madrugada. Faz anos que não durmo as oito horas recomendadas",
diz. "Hoje, as pessoas vão ao supermercado de madrugada. Há muitas
opções de baladas, bares. Ninguém
sacrifica o lazer, é mais fácil sacrificar o sono", diz o pneumologista
Maurício Bagnato, responsável pelo
setor de medicina do sono do Hospital Sírio-Libanês. Folha.com
""DORMIR, TALVEZ sonhar". Shakespeare, Hamlet.
São Paulo, em uma noite do ano
de 2080.
Um garoto aproxima-se de seu bisavô, que já passou dos cem anos.
Tem uma pergunta para fazer, uma
pergunta curiosa e, ao mesmo tempo, inquieta.
- É verdade -pergunta- que
quando você era criança as pessoas
dormiam?
O bisavô suspira.
- Sim -responde- é verdade.
Quando eu era menino, as pessoas
dormiam; dormiam poucas horas,
mas dormiam.
A resposta não satisfaz o garoto,
que continua intrigado. Pedindo
desculpas pela insistência, volta à
carga:
- Mas o que era isso, essa coisa
de dormir?
O ancião suspira de novo. Obviamente não sabe, não consegue, explicar algo do qual pouco se lembra,
mas bisavôs têm a obrigação de
educar os bisnetos, e ele ao menos
tentará.
- Dormir era o seguinte: quando
chegava a noite, a gente tirava a
roupa, vestia uma coisa chamada
pijama, e íamos para a cama. Olhávamos um pouco de televisão, que
era a forma de mostrar imagens naquela época, depois desligávamos o
aparelho, fechávamos os olhos e
adormecíamos.
O garoto está assombrado:
- Mas o que vocês faziam quando estavam dormindo?
O ancião sorri:
- O que fazíamos? Nada. Quer
dizer: fazíamos alguma coisa, sim.
A gente sonhava.
Agora o garoto não entende mais
nada. Sonhar? O que o bisavô queria dizer com isso? O que era sonhar? O velho tenta explicar: a gente via coisas, pessoas que não existiam.
- E era bom?
- Era. Quase sempre era. Às vezes os sonhos se transformavam em
pesadelos, mas, em geral, a gente
gostava de sonhar.
O garoto fica um instante em silêncio. E aí faz a inevitável pergunta, a pergunta que, para ele, é muito
mais importante do que imagina:
- E se você pudesse sonhar hoje,
com o que sonharia?
Eu sonharia com a época em que
se podia dormir e sonhar é a resposta que de imediato ocorre ao bisavô.
Mas, claro, não é o que ele diz: a última coisa que quer é parecer saudosista.
- Eu sonharia com um bisneto
que não me fizesse tantas perguntas.
O garoto ri, despede-se e sai. A
noite é uma criança e ele ainda tem
muito o que fazer.
MOACYR SCLIAR escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias
publicadas no jornal.
moacyr.scliar@uol.com.br
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