São Paulo, domingo, 07 de julho de 2002

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AMBIENTE

Água tirada do mar para equilibrar embarcações também faz circular contaminantes pelos portos do mundo inteiro

Estudo revela que cólera chega de navio

Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem
Navio ancorado no porto de Santos, local onde foi encontrado o vibrião do cólera


FAUSTO SIQUEIRA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SANTOS

Estudo inédito realizado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), entre outubro de 2001 e março deste ano, detectou a presença do vibrião do cólera em amostras de água de lastro coletadas em navios atracados em cinco portos brasileiros.
Quando saem vazios dos portos de origem para buscar mercadorias em outros países, os navios utilizam a chamada água de lastro -a água do mar que fica armazenada em tanques nos porões para dar estabilidade às embarcações quando não estão carregadas. Sem ela, os navios poderiam até partir ao meio.
À medida que embarca mercadorias nos portos para os quais se deslocou, o navio devolve ao mar a água trazida na viagem. Os resultados do estudo, ao qual a Agência Folha teve acesso, ainda são preliminares e servirão, entre outras coisas, para embasar futuras legislações sobre o assunto.
Devido ao intenso trânsito marítimo internacional, o lastro recolhido em águas poluídas se tornou meio de transporte de contaminantes para o mundo inteiro.
Das 99 amostras recolhidas e analisadas pela Anvisa, em sete havia bacilos do Vibrio cholerae O1, um dos sorogrupos do cólera nocivos à saúde humana.
Segundo o gerente-geral de Portos e Aeroportos da Anvisa, Daniel Lins Menucci, as sete amostras que continham esse vibrião eram de navios atracados nos portos de Fortaleza (CE), Belém (PA), Suape (PE), Sepetiba (RJ) e Santos (SP). Além desses, houve coleta de amostras nos portos de Salvador (BA), Ponta Ubu (ES), Paranaguá (PR) e Rio Grande (RS).
Análises microbiológicas apontaram a existência de bactérias marinhas em 71% das amostras, com variação de mil a 5 milhões de bactérias por litro. Do total de amostras, 81% foram colhidas em navios de trânsito internacional e 19% em embarcações de cabotagem (navegação entre portos de um mesmo país).
De acordo com o estudo, a identificação do Vibrio cholerae O1 significa "risco iminente" para o ecossistema marinho e para as populações locais. "O maior risco é ambiental, devido à importação [por meio da água de lastro] de espécies exóticas, mas isso também pode gerar um problema de saúde pública se [o vibrião] chegar às praias", afirmou Daniel Lins Menucci.
Para a diretora da Divisão de Doenças Hídricas do CVE (Centro de Vigilância Epidemiológica) da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo, Maria Bernadete de Paula Eduardo, os resultados do trabalho da Anvisa não justificam um risco em relação ao cólera, mas servem de alerta.
A fase atual do estudo identifica quais microorganismos predominam no mar das localidades analisadas, a fim de compará-los com os encontrados nas amostras de água de lastro para definição de espécies estranhas ao ambiente marinho do país. "Estamos desenvolvendo uma metodologia. A idéia é fazer um inventário e monitorar cada porto."
Autoridades sanitárias do Paraná não descartam que a água de lastro de navios possa ter causado o surto de cólera que atingiu a população de Paranaguá, em março de 1999.

Análise
O oceanógrafo Robson José Calixto, assessor técnico do Projeto de Gestão Integrada dos Ambientes Costeiros e Marinhos do Ministério do Meio Ambiente, afirmou que modelos computacionais desenvolvidos na Austrália já são capazes de analisar o grau de risco da água de lastro de determinado navio a partir da alimentação do sistema com dados do país de origem da embarcação.
A análise de risco é uma das etapas do Globallast (sigla em inglês do Programa de Gerenciamento Global de Água de Lastro), patrocinado pela IMO (sigla em inglês da Organização Marítima Internacional), agência especializada das Nações Unidas.
O objetivo do programa é oferecer assistência técnica para países "emergentes" criarem planos de gestão da água de lastro. Integram o programa portos de seis países: Sepetiba (Brasil), Dalian (China), Mumbai (Índia), Kharg Island (Irã), Saldanha (África do Sul) e Odessa (Ucrânia). O Fundo Global para o Meio Ambiente das Nações Unidas destinou US$ 7,39 milhões para o Globallast, cujo trabalho será concluído até 2004.
A IMO prepara um encontro, em 2003, em que pretende aprovar uma convenção internacional sobre água de lastro, que estabelecerá regras comuns de controle dos países signatários.
Segundo o Globallast, de dez a 12 bilhões de toneladas de água de lastro são movimentadas anualmente no mundo. No Brasil, a estimativa é de 80 milhões de toneladas anuais, dos quais dez milhões, de acordo com a Codesp (Companhia Docas do Estado de São Paulo), são despejadas em Santos, maior porto do país, que recebe 4.000 navios por ano.


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