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MARILENE FELINTO
Oferta: papelote de droga por bônus do apagão
Rico não sente dor, nem
economiza energia elétrica.
É o que o povo pensa, e é o que dizem as contas do racionamento
de luz até agora. Certa dose de
antipatia, certo tom de "bem feito!" marcaram a opinião pública
quanto ao acidente de helicóptero
sofrido pelo empresário João Paulo Diniz no litoral norte de São
Paulo.
Tudo porque o sujeito é rico
-afinal, quem vai simpatizar
com dono de supermercado num
país como este?-, aquele tipo de
rico arrogante, obcecado por frivolidades, a "malhação" do corpo, mulheres modelos, o luxo de
carros e helicópteros. Tudo isso
depõe contra, a população refutou com desdém a tragédia, numa espécie de catarse: bem feito!
Quem mandou querer ser poderoso, desafiar a natureza?
Mas que rico não economiza
energia elétrica, isso, sim, é verdade. Balanço destes dois meses de
racionamento mostra que apenas
metade dos consumidores que
usam acima de 500 kwh/mês (os
ricos) atingiram a meta de 20%
de economia. Já entre os consumidores de até 100 kwh por mês (os
pobres), 90% pouparam o dobro
disso, ou seja, fizeram uma economia de 40%.
Economizaram não apenas por
estarem acostumados a viver à
míngua, por subserviência aos ditames da autoridade ou porque
não poderiam pagar as multas
-fizeram o sacrifício também
porque estavam de olho no tal bônus, na promessa de que a cada
R$ 1 economizado na conta, o
consumidor ganharia bônus de
R$ 2. Para os 53 milhões de pobres
brasileiros, essa contabilidade faz
a diferença.
Pois é exatamente o bônus que
o governo FHC parece estar com
dificuldade em pagar. Não seria
um escândalo enganar o povo
desse jeito? O chamado "ministério do apagão" alega não ter arrecadado dinheiro suficiente com as
multas àqueles que não economizaram (calcularam que mais gente seria multada). Dessas multas
viria o dinheiro do bônus. É assim
imoral o grau de inoperância a
que chega o governo tucano. Bastava isso para derrubá-lo se vivêssemos num país decente.
É por essas e outras que a favela
se rebela, ignorando a autoridade
constituída, criando suas próprias leis. A favela é um município dentro do município, faz a feira que lhe convém, toma medidas
concretas e pragmáticas: "Maconha de R$ 2!" "Promoção no pó
de R$ 5!", "Vem cheirar o pó bom
da Grota", gritavam os mercadores da droga na sexta-feira, alto e
bom som, à luz do dia, na favela
da Grota (RJ), como mostrou o
"Jornal Nacional", da Globo.
Ora, o papelote de cocaína tem
mais moral do que o bônus do
apagão. Pelo menos não é mentira. É a verdade nua. A feira de
drogas é uma demonstração de
poder local, é a sociedade decidindo o seu destino -ainda que sob
a mira dos fuzis e pistolas que os
soldados do tráfico portavam em
plena rua-, construindo a sua
transformação, distribuindo a
renda que o poder constituído insiste em concentrar na mão de
uma minoria.
No fundo, o povo sabia que o
bônus era um engodo, como sabe
que a Eletropaulo não vai cortar
a luz das mansões de milionários
como os Diniz.
É por essas e outras que, nesse
cenário de violência e caos da favela, por mais horrorosa que seja
a ilegalidade da feira de drogas,
ela ainda é tida como um protesto
social "valorizado em sua dimensão transgressora" (para usar palavras de Maria Alice de Carvalho em "Violência no Rio de Janeiro: uma Reflexão Política") da
mesma forma que o bandido ainda é visto como um herói pré-político, menos danoso que os tucanos engravatados de Brasília.
E-mail - mfelinto@uol.com.br
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