São Paulo, sábado, 07 de setembro de 2002

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LETRAS JURÍDICAS

Alternativas de uso em imóveis urbanos

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

O Estatuto da Cidade (lei nš 10.267/01), norma federal sobre a política urbana, traz novidades a respeito do direito dos cidadãos que começam a ser sentidas por São Paulo com o último Plano Diretor. Duas dessas novidades são particularmente importantes em virtude de sua repercussão sobre a vida dos munícipes: direito de superfície e outorga onerosa do direito de construir. Ambos merecem muita atenção (veja bem, muita atenção) dos proprietários dos imóveis urbanos em todas (veja bem, em todas) as cidades brasileiras. Se o leitor -sendo proprietário- deixar o assunto de lado, depois vai ter de se queixar ao bispo, como diziam os antigos.
O direito de superfície -de usar o imóvel e aproveitá-lo como melhor lhe pareça- é do proprietário. Preservada sua função social, o imóvel pode ser transferido a outrem sem que o seu dono perca essa condição. Parece com a locação, mas não é a mesma coisa. No direito de superfície, o proprietário (só ele e mais ninguém) pode conceder ao terceiro o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno.
A outorga onerosa do direito de construir depende do Plano Diretor, pois cabe a este fixar as áreas em que o coeficiente de aproveitamento básico dos terrenos pode ser ultrapassado para fins de construção. A lei esclarece que coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área edificável e a área do terreno. O Plano Diretor também poderá delimitar espaços nos quais será permitida a alteração de uso do solo. Em ambos os casos, os beneficiários terão de oferecer contrapartida onerosa para merecer o favor. Além do Plano Diretor, deverá ser aprovada lei municipal específica, que indique as condições a serem observadas para a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso, com a fórmula de cálculo para a cobrança e os casos de isenção.
O direito de superfície e a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso são instrumentos de política urbana na condição de institutos jurídicos e políticos. Distinguem-se, pois só o primeiro é levado a registro no cartório imobiliário. Somente pode ser contratado por escritura pública, mediante concessão gratuita ou onerosa. Há algumas regras específicas a serem lembradas. A primeira é a de que o superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade e proporcionalmente pela parcela de ocupação da área, nos encargos e tributos, salvo disposição em contrário do contrato.
O leitor me fará, com certeza, perguntas que já ouvi mais de uma vez: mas isso vai funcionar? Será objeto de mais corrupção? Funcionará, como tem funcionado em outras partes do mundo. Sempre possibilitará a corrupção, que, embora seja lamentável, é arraigada na operação moderna do capitalismo, como se tem visto nos Estados Unidos, em monumentais escândalos, que fazem os nossos parecerem coisa de criança. Na corrupção há mais um elemento a considerar: sem prejuízo da punição de outros agentes públicos e de outras sanções cabíveis, o prefeito incorrerá em improbidade administrativa quando aplicar os recursos auferidos com a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso em desacordo com o previsto na lei.
As cautelas a serem adotadas compreendem o acordo de vontades das partes e as normas de direito público. Qualquer negociação a respeito -até pela novidade das recentes leis- deve ser encarada com cuidado em virtude de repercussões que a jurisprudência ainda não teve ocasião de filtrar.


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