UOL


São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

Próximo Texto | Índice

Pesquisa em Paulínia, cidade que foi transformada em laboratório contra o alcoolismo, mostra que 90% dos bares não controlam idade de quem consome bebidas

Álcool ao alcance de adolescentes

CLÁUDIA COLLUCCI
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O adolescente encontra todas as portas abertas para o álcool. Quase nenhum bar restringe a venda de bebida alcoólica a menores de 18 anos, como determinam o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Penal.
Em abril passado, um grupo de cinco adolescentes, de 14 a 17 anos, cabulou aula para jogar sinuca e beber vodca com soda limonada em um bar.
Duas das garotas do grupo foram parar no pronto-socorro em coma alcoólico. Os demais, se estivessem em idade de dirigir, poderiam ter se matado ou matado outros pelo caminho.
O episódio ocorreu na cidade eleita para ser estudada como um microcosmo da realidade brasileira no quesito álcool. Desde o início do ano, Paulínia (126 km a noroeste de São Paulo) se transformou em laboratório para a redução do consumo de bebidas alcoólicas e dos seus danos.
O modelo, que se propõe a unir educação e repressão -como multas e fechamento de bares-, é fundamentado em conceitos norte-americanos, mas criticado por especialistas tanto dos EUA quanto da Europa e do Canadá.
Para os críticos, o modelo não educa, apenas "adestra" os cidadãos a se comportarem de forma a fugir das punições.
O projeto piloto que é desenvolvido em Paulínia, cidade que ocupa o quarto lugar no ranking de arrecadação de ICMS no Estado, é coordenado por pesquisadores da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), com apoio da Fapesp e da prefeitura da cidade.

Venda livre
A primeira etapa do projeto mapeou todos os 288 locais de venda de bebidas alcóolicas da cidade. Nas entrevistas realizadas com os responsáveis pelos bares, um dado impressiona: 90,4% deles não conferem a idade do adolescente antes de vender a bebida.
Os dados são muito parecidos com os de outra pesquisa, do Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), de 1997, em que apenas 0,9% dos estudantes de escolas públicas de dez capitais brasileiras relataram enfrentar dificuldades para adquirir a bebida.
"Nunca pedi carteira de identidade. Quando parecem menores de idade, não vendo", afirma Josefa Mello Silva, 51, proprietária de um bar no bairro São José, que concentra 10% de todos os bares do município.
Na última quinta-feira, um grupo de cinco crianças e adolescentes jogava sinuca e fliperama no bar de "dona Josefa". Um deles, B., 9, disse que o primeiro contato com a bebida foi há dois anos por meio do pai. "Ele me deu meia latinha de cerveja", afirma.
Essa é também uma realidade nacional. A pesquisa do Cebrid, que ouviu 14.636 estudantes de 10 a 18 anos, mostra que 34% deles beberam pela primeira vez na própria residência, e a bebida foi oferecida pelos pais.
Segundo o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas) e que coordena o trabalho que é realizado em Paulínia, quanto mais cedo for o contato da criança com o álcool, mais rapidamente ela tende a se tornar um dependente.
Enquanto o adulto demora em média cinco anos para se viciar, a criança ou o adolescente só precisa de dois, diz Laranjeira.

A cidade e o álcool
Além do mapeamento dos bares, o projeto em Paulínia vai pesquisar o consumo de álcool entre os 10 mil alunos das redes estadual, municipal e particular e a relação entre a bebida e as ocorrências no pronto-socorro da cidade.
Segundo o psiquiatra Marcos Romano, pesquisador da Unifesp e participante do projeto, a idéia é, a partir do retrato de como a cidade se relaciona com o álcool, propor intervenções comunitárias recomendadas pela Organização Mundial da Saúde.
Um exemplo, afirma Romano, foi a constatação de que um terço dos bares da cidade era irregular. A partir disso, a prefeitura notificou os proprietários e está fechando os estabelecimentos que não regularizaram a sua situação.
Segundo Dauro de Oliveira Machado, 35, assessor especial para assuntos jurídicos da Prefeitura de Paulínia, pelo menos 30 bares já foram fechados.
O próximo passo, diz ele, será propor projeto de lei que limite o número de bares seguindo restrições da lei de zoneamento da cidade. Também está sendo estudada a aplicação da "lei seca", que obriga os bares a fechar as portas a partir das 22h.
Outro exemplo da atuação do poder público na redução dos danos provocados pelo álcool foi verificado no último Carnaval, realizado no sambódromo da cidade.
No ano passado, segundo Machado, foram registrados 101 casos de alcoolismo e 49 agressões, provocadas direta ou indiretamente pelo consumo de álcool.
Neste ano, a prefeitura proibiu a venda de bebidas destiladas no sambódromo e fixou em R$ 2 o preço da latinha de cerveja e em R$ 5 o coquetel com vinho.
Resultado: as ocorrências por alcoolismo caíram para 35, e as agressões, para seis.


Próximo Texto: Projeto estuda elo entre bebida e violência
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.