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São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

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VIOLÊNCIA SEXUAL

Para secretário-executivo da Abrapia, problema maior é abuso cometido dentro de casa, e não a prostituição infantil

Ação federal tem "enfoque míope", diz médico

MAURO ALBANO
DA AGÊNCIA FOLHA

A estratégia adotada pelo governo Lula para enfrentar a violência sexual contra crianças e adolescentes tem um "enfoque míope" e ignora que, nessa área, o problema majoritário no Brasil e no mundo é o abuso cometido dentro de casa -e não o turismo sexual ou a prostituição infantil.
A opinião é do pediatra Lauro Monteiro Filho, 66, secretário-executivo da Abrapia (Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência), a ONG responsável, durante seis anos, pelo disque-denúncia de casos de violência sexual. "Os oito primeiros meses de governo já foram perdidos nessa área", disse ele.
No dia 3 de janeiro, em sua primeira reunião ministerial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) determinou ao ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) que desse prioridade ao combate à prostituição infantil.
Segundo Monteiro Filho, o acompanhamento das estatísticas a partir de 1997 mostra que o abuso sexual (violência praticada por pessoas próximas ou de confiança da criança ou adolescente) motiva em média 60% das denúncias, enquanto a exploração sexual (quando o corpo do menor é usado com fins comerciais, como na prostituição infantil) responde por 40%.
Desde 16 de maio deste ano, o disque-denúncia passou a ser administrado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Das 1.011 denúncias de violência sexual recebidas, de maio até o dia 29 de agosto, 705 (69,7%) eram de abuso sexual, contra 306 (30,3%) de exploração sexual.
"O abuso sexual acontece entre quatro paredes, é muito difícil de denunciar. Mesmo assim, a situação [de violência sexual] mais denunciada no Brasil é o abuso", disse Monteiro Filho.
Para o pediatra, que trabalha com violência sexual há mais de 20 anos, o governo erra -com a anuência da maioria das ONGs que se dedicam ao tema- ao concentrar esforços majoritariamente no combate à prostituição infantil. "Há um enfoque míope por parte das autoridades, subsidiado por várias ONGs, que insistem em focar a violência sexual só sob a ótica policial e judicial."
O Ministério da Justiça tem coordenado operações conjuntas entre Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Ministério Público para combater a prostituição infantil, geralmente em feriados como o Carnaval.
"É uma opção pela saída mais fácil, pelo modo de ganhar a mídia mais rapidamente. O enfoque policial e judicial desvia a atenção do enfoque correto, que é a prevenção", afirmou Monteiro Filho. "Tem de agir antes da polícia."
Ele defende ações conjuntas entre ministérios como o da Educação e o da Saúde para que a criança e a família sejam "precocemente" informadas sobre abuso sexual. "O abuso atinge crianças de 3, 4 anos, o que leva a um desenvolvimento sexual equivocado e a uma baixa auto-estima. Isso favorece a venda da criança como uma mercadoria -ela percebe que pode ganhar alguma coisa com seu corpo, que não valeu nada dentro da família. O abuso é a porta de entrada para a prostituição infantil."
O pediatra critica também a ênfase dada ao combate ao turismo sexual. "É um problema minoritário, não chega a 2% das denúncias", disse.
Segundo Monteiro Filho, em 70% dos casos de abuso denunciados, o crime é praticado pelo pai, padrasto, avô ou tio. "O Brasil está na fase da negação da realidade, pela qual os EUA passaram 20 anos atrás, quando começaram a enfrentar o abuso sexual." "Se tivéssemos um disque-denúncia eficiente, não haveria cadeia suficiente para todos os abusadores."
Com a administração da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, o número do disque-denúncia continuou o mesmo (0800-990500), mas o horário de atendimento -antes 24 horas- ficou restrito das 8h às 18h.


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