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São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

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ENTREVISTA

Para presidente de associação, verba deveria ser dez vezes maior

Orçamento antidrogas é insuficiente

DA REPORTAGEM LOCAL

A Inglaterra estabeleceu um plano de redução do uso de drogas que vai consumir R$ 2 bilhões por ano ao longo de uma década. No Brasil, o orçamento anual da Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) é de cerca de R$ 10 milhões. E a política de drogas nem sequer saiu ainda do papel.
"Precisamos, para começar, de um orçamento no mínimo dez vezes maior", diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, presidente da Abead, Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas. Em dois anos de programa, a Inglaterra já reduziu o consumo de cocaína, embora o de maconha tenha aumentado.
A Abead está encerrando hoje seu 15º congresso com a presença recorde de 800 participantes e dezenas de especialistas nacionais e estrangeiros. No geral, todos os balanços que se referem a drogas falam em aumentos: do número de usuários, da violência, da corrupção e até mesmo das apreensões. Por outro lado, são poucas as iniciativas comprovadamente positivas. "No atacado, a impressão que se tem é que só tem piorado", diz Laranjeira. "Mas, no varejo, há muitos pequenos avanços."
A psiquiatra Analice Gigliotti, da Santa Casa do Rio de Janeiro e vice-presidente da Abead, disse que o número de fumantes vem caindo entre os adolescentes, mas aumentando entre as meninas. Em 1999, 30% dos rapazes fumavam, contra 20% das adolescentes. Hoje, 27% deles fumam, contra 24% das meninas.
O congresso da Abead é o primeiro depois que o governo decidiu manter a Senad no Gabinete de Segurança Institucional.
Pelo programa original do PT, a política de drogas ficaria com o Ministério da Justiça. A polêmica dividiu especialistas e a academia, já que a Senad é dirigida por um general, quando se pretendia uma política mais voltada para a prevenção e o tratamento. Por quase seis meses, o governo negociou sem consultar a sociedade, embora a droga envolva a área segurança, profissionais de saúde, educadores, pais e adolescentes.
Segundo a direção da conferência, o fato de o evento se realizar na Câmara Americana do Comércio não significou interferência dos EUA nas teses do evento.
Neste ano, "o encontro destacou a importância da educação, da comunidade e da mídia", lembra Ana Cecília Marques, coordenadora científica do evento.
"Ninguém tem a utopia de acabar com as drogas, mas, sim, reduzir os riscos para os jovens", diz Laranjeira. Abaixo, trechos da entrevista que concedeu à Folha.

Folha - O sr. e seu grupo faziam restrições à política de redução de danos. Houve mudanças?
Ronaldo Laranjeira -
Eu estava na Inglaterra, em 86 e 87, quando se iniciou a prática de troca de seringas para usuários de drogas injetáveis. Nós começamos o fornecimento de metadona para dependentes de heroína. Não se pode ser contra uma política que está dando resultados, mas quando faltam evidências dos benefícios, não concordamos que se faça só por ideologia. O cigarro, por exemplo, a pessoa só vai deixar de correr risco se parar de fumar mesmo, ficar abstinente. Mas mesmo que não pare, não se deve negar a ele os cuidados médicos que necessita.

Folha - A questão das drogas sintéticas já preocupa os EUA e a Europa. E no Brasil?
Laranjeira -
Elas serão o grande desafio dentro de dez anos. São drogas que não precisam ser plantadas, nem colhidas nem processadas, como acontece com a maconha, a cocaína e a heroína. Elas são produzidas em pequenos laboratórios, e isso vai dificultar muito mais a repressão. Nós vamos ter que ser mais criativos.

Folha - Um dos especialistas, George De Leon, da Universidade de Columbia, defendeu a importância das comunidades terapêuticas no tratamento. Elas funcionam no Brasil?
Laranjeira -
Quando bem dirigidas, são interessantes. No Brasil, existem cerca de 2.000 -95% têm funcionários mal treinados. São baseadas muitas vezes na religião. Quando a comunidade não tem uma estrutura eficiente, é a visão religiosa que predomina. Os evangélicos são os mais organizados nessa questão.
(AURELIANO BIANCARELLI)


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