São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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Poucos seguem Huck no clube dos não-blindados

Donos de carros de luxo hesitam em abrir mão do reforço de segurança por "filosofia"

Em artigo para a Folha, apresentador, que teve seu Rolex roubado no trânsito, contou que não concorda em usar veículo blindado

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

O executivo Carlos Ferreira, 41, ex-proprietário de um Mercedes-Benz Kompressor, é como o apresentador Luciano Huck: por motivos filosóficos, não usa mais carro blindado.
"Um dia, parei no sinal e a molecada que tava lá fazendo malabares veio perguntar que carro era aquele. Eu pensei: "Puta, tô agredindo esses meninos. Não tem necessidade..." Aquilo pegou minha veia humanística", conta Ferreira, que agora usa um "carro discreto" (Toyota Corolla, cerca de R$ 65 mil, modelo básico). "Hoje eu paro, abro o vidro, converso e vou embora em paz", diz.
Soube que Luciano Huck não anda mais de carro blindado em um artigo que o apresentador escreveu na semana passada para a Folha. Indignado após sofrer um assalto no Itaim Bibi (zona oeste), Huck conta que perdeu o Rolex, mas poderia ter perdido a vida.
"Confesso que já andei de carro blindado, mas aboli. Por filosofia. Concluí que não era isso que queria para a minha cidade", escreveu ele.
No texto, ele evoca o filme "Tropa de Elite" e manda chamar o protagonista, o comandante Nascimento, que é adepto da tortura para fazer cumprir a lei: Huck diz que está na hora de discutir "segurança pública de verdade".
"Luciano Huck foi assassinado. Manchete do "Jornal Nacional" de ontem", escreve Huck. "Não veria meu segundo filho. Deixaria órfã uma inocente criança. Uma jovem viúva. Uma família destroçada. Uma multidão bastante triste. Um governador envergonhado. Um presidente em silêncio."
Até sexta-feira, o jornal recebeu mais de 210 cartas de leitores (críticas e elogios): "A nossa elite é mesmo patética. (...) Queria ver o Luciano Huck escrevendo um texto tão indignado caso presenciasse uma chacina no Capão Redondo", escreveu o músico Zeca Baleiro.
Outra leitora de São Paulo, Fernanda Raquel, considerou o artigo "um desabafo justo e consciente de um cidadão que paga seus impostos em dia". "Por que os leitores do jornal se doeram tanto?", ela pergunta.
Para ficar apenas na discussão do aspecto "filosófico" do texto de Huck -e entender melhor a mentalidade do proprietário do carro blindado-, a Folha visitou ambientes onde as pessoas não cogitam dirigir sem a proteção de vidros e janelas a prova de tiros.
"Só não concordo 100% com o texto do Luciano porque não acho que ele deva usar Rolex em um carro que não seja blindado", diz o cabeleireiro Wanderley Nunes, 19 vezes assaltado. Amigo do presidente Lula e cabeleireiro de dona Marisa, Nunes acredita que a questão da violência não é de "esfera federal". "Isso é problema do governo do estado", acha.
A vítima em potencial do sequestrador ou assaltante tende a lamentar -sempre filosoficamente- a "necessidade do carro blindado". "A solução para o problema da violência é utópica: a gente tem de erradicar a pobreza, dar educação e saúde para essa população carente", diz a dona de butique Alessandra Chade, 33.
Alessandra considera o artigo de Luciano "meio dramático". "Ele foi assaltado, se sentiu importante. Vive num mundo à parte, não sabe o que é acordar às 5h e pegar quatro ônibus, como a maioria das minhas estoquistas, para ganhar R$ 450 por mês", reage Alessandra, que está quase deitada no salão de Wanderley, os pés entregues à pedicure, as mãos à manicure e a cabeça sendo lavada com uma solução de vitamina C.
Ali perto, a cantora Debora Blando, 35, conta que, até agora, não tinha tido necessidade de blindar seu Audi. "Há até bem pouco tempo, se você era um apresentador famoso, uma cantora, o assaltante dizia: "Pô, desculpa aí, foi mal.'"
Para Blando, a recente falta de discernimento do bandido é um sintoma preocupante de desleixo: "Hoje, ninguém tá aí se o cara é o Luciano Huck."
Por que não comprar um carro menos chamativo?
A engenheira Sônia Freitas, 61, que teve um Mercedes baleado, mas escapou ilesa e hoje tem um BMW blindado, alega "o lado do conforto".
"Ah, sei lá, prefiro carro bom. Se vier ladrão, eu ligo o alarmezinho, eles vão embora", diz.
Ela afirma que concorda com o texto de Huck e acredita que, "com a popularidade dele, o artigo vai atingir muita gente".
Na opinião de Sônia, uma das causas da violência no Brasil é a corrupção. "Todo mundo tem um preço. De repente, te oferecem a oportunidade de ganhar R$ 5 milhões... Quer dizer, isso para alguém não tão pobre. Para o pobre seria, digamos, R$ 5 mil. Claro que ele vai se corromper", acredita ela.
Parece incoerente, mas, em todas as entrevistas, a solução apontada para o fim da violência é a "educação". Em segundo lugar vem a "saúde". Terceiro, a "segurança". São palavras meio avulsas, ditas sem a força de uma atitude. "O problema é o descaso da polícia", solta a dona-de-casa Ivone Bolonhesi, 47, três filhos, todos os carros da casa blindados. "Mas é complicado mexer nisso", continua, ainda mais vaga.


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