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Poucos seguem Huck no clube dos não-blindados
Donos de carros de luxo hesitam em abrir mão do reforço de segurança por "filosofia"
Em artigo para a Folha,
apresentador, que teve seu
Rolex roubado no trânsito,
contou que não concorda
em usar veículo blindado
PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL
O executivo Carlos Ferreira,
41, ex-proprietário de um Mercedes-Benz Kompressor, é como o apresentador Luciano
Huck: por motivos filosóficos,
não usa mais carro blindado.
"Um dia, parei no sinal e a
molecada que tava lá fazendo
malabares veio perguntar que
carro era aquele. Eu pensei:
"Puta, tô agredindo esses meninos. Não tem necessidade..."
Aquilo pegou minha veia humanística", conta Ferreira, que
agora usa um "carro discreto"
(Toyota Corolla, cerca de R$ 65
mil, modelo básico). "Hoje eu
paro, abro o vidro, converso e
vou embora em paz", diz.
Soube que Luciano Huck não
anda mais de carro blindado
em um artigo que o apresentador escreveu na semana passada para a Folha. Indignado
após sofrer um assalto no Itaim
Bibi (zona oeste), Huck conta
que perdeu o Rolex, mas poderia ter perdido a vida.
"Confesso que já andei de
carro blindado, mas aboli. Por
filosofia. Concluí que não era
isso que queria para a minha cidade", escreveu ele.
No texto, ele evoca o filme
"Tropa de Elite" e manda chamar o protagonista, o comandante Nascimento, que é adepto da tortura para fazer cumprir a lei: Huck diz que está na
hora de discutir "segurança pública de verdade".
"Luciano Huck foi assassinado. Manchete do "Jornal Nacional" de ontem", escreve Huck.
"Não veria meu segundo filho.
Deixaria órfã uma inocente
criança. Uma jovem viúva.
Uma família destroçada. Uma
multidão bastante triste. Um
governador envergonhado. Um
presidente em silêncio."
Até sexta-feira, o jornal recebeu mais de 210 cartas de leitores (críticas e elogios): "A nossa
elite é mesmo patética. (...)
Queria ver o Luciano Huck escrevendo um texto tão indignado caso presenciasse uma chacina no Capão Redondo", escreveu o músico Zeca Baleiro.
Outra leitora de São Paulo,
Fernanda Raquel, considerou o
artigo "um desabafo justo e
consciente de um cidadão que
paga seus impostos em dia".
"Por que os leitores do jornal se
doeram tanto?", ela pergunta.
Para ficar apenas na discussão do aspecto "filosófico" do
texto de Huck -e entender
melhor a mentalidade do proprietário do carro blindado-, a
Folha visitou ambientes onde
as pessoas não cogitam dirigir
sem a proteção de vidros e janelas a prova de tiros.
"Só não concordo 100% com
o texto do Luciano porque não
acho que ele deva usar Rolex
em um carro que não seja blindado", diz o cabeleireiro Wanderley Nunes, 19 vezes assaltado. Amigo do presidente Lula e
cabeleireiro de dona Marisa,
Nunes acredita que a questão
da violência não é de "esfera federal". "Isso é problema do governo do estado", acha.
A vítima em potencial do sequestrador ou assaltante tende
a lamentar -sempre filosoficamente- a "necessidade do carro blindado". "A solução para o
problema da violência é utópica: a gente tem de erradicar a
pobreza, dar educação e saúde
para essa população carente",
diz a dona de butique Alessandra Chade, 33.
Alessandra considera o artigo de Luciano "meio dramático". "Ele foi assaltado, se sentiu
importante. Vive num mundo à
parte, não sabe o que é acordar
às 5h e pegar quatro ônibus, como a maioria das minhas estoquistas, para ganhar R$ 450 por
mês", reage Alessandra, que está quase deitada no salão de
Wanderley, os pés entregues à
pedicure, as mãos à manicure e
a cabeça sendo lavada com uma
solução de vitamina C.
Ali perto, a cantora Debora
Blando, 35, conta que, até agora, não tinha tido necessidade
de blindar seu Audi. "Há até
bem pouco tempo, se você era
um apresentador famoso, uma
cantora, o assaltante dizia: "Pô,
desculpa aí, foi mal.'"
Para Blando, a recente falta
de discernimento do bandido é
um sintoma preocupante de
desleixo: "Hoje, ninguém tá aí
se o cara é o Luciano Huck."
Por que não comprar um carro menos chamativo?
A engenheira Sônia Freitas,
61, que teve um Mercedes baleado, mas escapou ilesa e hoje
tem um BMW blindado, alega
"o lado do conforto".
"Ah, sei lá, prefiro carro bom.
Se vier ladrão, eu ligo o alarmezinho, eles vão embora", diz.
Ela afirma que concorda com
o texto de Huck e acredita que,
"com a popularidade dele, o artigo vai atingir muita gente".
Na opinião de Sônia, uma das
causas da violência no Brasil é a
corrupção. "Todo mundo tem
um preço. De repente, te oferecem a oportunidade de ganhar
R$ 5 milhões... Quer dizer, isso
para alguém não tão pobre. Para o pobre seria, digamos, R$ 5
mil. Claro que ele vai se corromper", acredita ela.
Parece incoerente, mas, em
todas as entrevistas, a solução
apontada para o fim da violência é a "educação". Em segundo
lugar vem a "saúde". Terceiro, a
"segurança". São palavras meio
avulsas, ditas sem a força de
uma atitude. "O problema é o
descaso da polícia", solta a dona-de-casa Ivone Bolonhesi,
47, três filhos, todos os carros
da casa blindados. "Mas é complicado mexer nisso", continua,
ainda mais vaga.
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