São Paulo, quarta-feira, 07 de novembro de 2007

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GILBERTO DIMENSTEIN

Professor punk


A bota, os remendos na calça e o corte de cabelo moicano informam que ele é o que parece: um punk

GREGORI PAOLI, 25, não gosta de briga, não come carne, não fuma e não usa drogas. Trabalha para pagar o curso de pedagogia na PUC (Pontifícia Universidade Católica). Seu projeto de vida é educar crianças, especialmente as que têm necessidades especiais.
Nos últimos tempos, ele vem se entusiasmando com a possibilidade de ensinar adultos com dificuldade de aprendizado. Apesar de todas essas atitudes, Gregori, por sua aparência, pode ser temido nas ruas.
Talvez até mudem de calçada, temendo que ele cometa alguma agressão. "É uma injustiça", lamenta Gregori.
A bota, os remendos na calça e o corte de cabelo moicano informam que ele é exatamente o que parece: um punk. Pertence a uma tribo cuja imagem tem sido, nos últimos tempos, associada à violência.

 


Aos 15 anos, Gregori conheceu a cultura punk e se identificou com ela.
"Tudo começou pela música."
Aos poucos, segundo ele, descobriu que, além da diversão, havia no movimento uma preocupação com a igualdade social e a preservação ecológica. Aderiu à tribo dos chamados punks "straight edge", o que o levou a se tornar vegetariano e a ficar longe do álcool, do fumo e das drogas. Gostava, em particular, do combate ao consumismo, uma das bandeiras dos punks.
Os episódios de violência que envolvem punks não lhe tiraram o prazer da cultura, mas passou a se sentir incomodado ao ser identificado com a violência. "Até deixei de andar por alguns lugares para ficar longe de bagunça."
Na sua visão, o que ocorre não é generalizado.
"Alguns indivíduos viram na cultura punk um jeito de manifestar a sua violência." Tais grupos ganharam destaque dos meios de comunicação e passaram a disseminar uma imagem que permeia toda a tribo.

 


Ele vai ter de aprender a desconstruir essa imagem se quiser mesmo ser professor. Morador da periferia paulistana, Gregori era um aluno relapso, desses que dão trabalho aos professores. Mas, terminada a adolescência e estimulado pela forma como encarava a cultura punk, considerou que seria interessante estudar pedagogia.
"As letras das músicas falavam de transformar o mundo pela palavra.
Essa é a tarefa do professor."
Com o seu olhar marginal, gostou da idéia de trabalhar com crianças portadoras de deficiência e, na faculdade, percebeu que também levaria jeito com adultos que não tiveram a chance de estudar. Resolveu ajudar a alfabetizar garis que trabalham em São Paulo, para os quais a rua é um espaço de marginalidade.

 


Um morador da periferia, funcionário de uma agência dos Correios pagar a própria faculdade -isso, sim, "é punk". Está com as mensalidades atrasadas e ainda não descobriu como vai pagá-las. "Fico rezando por uma bolsa."

gdimen@uol.com.br


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