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URBANIDADE
O caminho das pedras
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Quando era menino, Auro
Lescher morava no Bom
Retiro, brincava sempre no parque da Luz, sonhava em construir aviões e ainda não desconfiava de que sofria de distúrbios
mentais. Acabou psiquiatra especializado em dependência
química -o que está significando, neste momento, uma viagem
no tempo. "Ando pelas ruas e as
lembranças vão aparecendo."
Talvez por ter sofrido desde a
infância de transtorno obsessivo-compulsivo -"fiz terapia
dos 11 aos 31 anos de idade"- e,
constatado que nada tinha a ver
com aviões, Auro entrou na Escola Paulista de Medicina (Universidade Federal de São Paulo).
"Logo de início, fiquei muito interessado na questão das
drogas."
Estudou em centros de referência em dependência química nos
Estados Unidos e na França. Em
1995, ele participou da criação
do Projeto Quixote, apoiado pela
Universidade Federal de São
Paulo. "Estávamos no pico da
epidemia do crack." A epidemia
se espalhava por toda a cidade,
mas era especialmente visível na
Luz, que passou a ser conhecida
como "cracolândia". Para tentar
afastar as crianças e adolescentes, em vez de sermões e repressão, ofereciam-se programas em
arte e comunicação.
Em agosto passado, ele voltou
à região em que foi criado, atraído por dois galpões, na rua
Mauá, coração da "cracolândia", que serviam de mocós para
drogados. "Pensei que estivesse
acostumado com a degradação,
mas o que vi ali ultrapassou
qualquer limite de indignidade."
Misturavam-se bebês, crianças,
adolescentes e adultos, rodeados
de fezes, restos de comida e cachimbos de crack.
Com uma equipe de médicos,
psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais e arte-educadores, o
Quixote tenta agora transformar aqueles galpões num espaço
de aprendizado contra a droga.
Usam-se os mais diversos recursos. Uma das viciadas que morava no galpão, conhecida por Marinalva, grávida de quatro meses, está fazendo um filme sobre
sua vida. "É um jeito para que
ela se conheça e se valorize."
Auro quer aproveitar o plano
de revitalização da Luz, onde se
pretende criar um pólo digital,
com estímulos para a indústria
da comunicação. Pretende instalar, nos galpões, um telecentro
em que se tirem proveito das novas tecnologias para seduzir e
abrir canais de expressão aos dependentes de drogas -assim,
quem sabe, os jovens aprendam
um novo caminho das pedras.
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