|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
URBANIDADE
Escola dá lição de absurdo
OS TEMPOS MUDAM Em 1956, quando Fernando de Aguiar abriu sua loja de ferragens na 7 de Abril e a chamou Dolar, contração de "do" com "lar", a moeda americana chamava-se "dollar", com dois eles. A loja ainda está lá, as peças ordenadas na parede como nas gravuras das antigas enciclopédias, mas, desde que a moeda americana perdeu um ele, aparecem estrangeiros querendo cambiar valores. (VINCENZO SCARPELLINI)
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
E xceto, talvez, por alguns poucos familiares,
ninguém vai se lembrar de que,
na próxima semana, se completam 84 anos da morte do paulista Rodrigues Alves. Eleito presidente da República pela segunda
vez em 1918, não tomaria posse,
vítima da gripe espanhola.
Ele vive até hoje na forma de
um dos mais visíveis e nunca comentados absurdos da cidade de
São Paulo. Isso porque empresta
seu nome à única escola pública
da avenida Paulista, imóvel que,
obra do arquiteto Ramos de
Azevedo, está tombado, mas tem
a fachada extremamente suja,
pichada de alto a baixo. Na parte interna, há vazamentos, rachaduras, infiltrações.
Há uma grande ironia em tudo isso, pois, preocupado com as
doenças que se espalhavam pelo
Brasil, o presidente Rodrigues
Alves lançou na época campanha para limpar as cidades, especialmente no Distrito Federal,
então no Rio, e, em menor escala, em São Paulo, e para ensinar
às famílias medidas de higiene.
Imaginava transformar o epidêmico Rio, com as pestilências
trazidas pelo porto e propagadas
nos cortiços, numa espécie de réplica de metrópole européia.
Mas a ironia não pára por aí.
A escola é literalmente grudada
ao Instituto Cultural Itaú, principal centro brasileiro de arte digital, conectado com o que existe
de mais contemporâneo em tecnologias aplicadas ao aprendizado; a poucos passos dali, trabalha a cúpula do Sesc, maior
patrocinador de eventos artísticos da cidade de São Paulo, responsável pela restauração de
prédios abandonados, com um
amplo programa de cultura aplicada à educação.
Ao lado do Sesc, localiza-se a
Casa das Rosas, ligada à Secretaria Estadual da Cultura, responsável pela preservação do patrimônio histórico estadual. Até o
ano passado, no lado oposto da
avenida, estava a Secretaria Municipal da Cultura. No meio, a
Fiesp, onde está o Sesi, voltado à
educação. Em toda a avenida,
há empresas, especialmente bancos, com institutos e fundações
que patrocinam projetos de melhoria da educação pública.
Tirando o fato de alguns voluntários do Banco Real ajudarem a desenvolver, na Rodrigues
Alves, programas curriculares, a
única escola pública da Paulista
ficou tão esquecida quanto o
presidente que lhe deu o nome.
Ele próprio morreu ironicamente em 16 de janeiro de 1919: tanto
brigou contra as epidemias, mas
foi vítima de uma delas.
E-mail - gdimen@uol.com.br
Texto Anterior: Projetos priorizam imagem melhor Próximo Texto: Há 50 anos Índice
|