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São Paulo, sábado, 08 de março de 2003

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LETRAS JURÍDICAS

A volta do bem-estar e dos bons costumes

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Passado o Carnaval, volto ao tema dos bons costumes e do bem-estar, com variação apenas constitucional. A Constituição resguarda os valores éticos e sociais da pessoa e da família. Se a norma superior os preserva, isso está a dizer que subordina a lei ordinária aos fins indicados e assegura meios coercitivos para impedir sua violação.
Está no artigo 221 da Carta Magna a inclusão de princípio garantidor do respeito aos valores mencionados, a ser observado na programação das emissoras de rádio e de televisão. A linguagem, porém, é vaga, gerando dificuldade no exame das alternativas, como se viu nos dias de Momo.
Tem razão Alexandre Moraes em seu livro "Constituição do Brasil Anotada" (Editora Atlas, 2.924 páginas) quando observa, anotando o artigo 221, que "a extrema generalidade desses princípios, somada à proibição constitucional da censura, torna a presente norma inócua..." A crítica é procedente. A Constituição usa bem-estar como equivalente relativo de bem comum para satisfazer objetivos variadíssimos, nos artigos 23, parágrafo único (desenvolvimento nacional), 186, inciso IV (função social da propriedade), 193 (objetivo da ordem social), 219 (mercado interno), 230 (idosos), 231, parágrafo 1º (índios), além de alusão genérica no preâmbulo. A preservação dos bons costumes é uma forma de garantia do bem-estar da média das pessoas.
"Bons costumes" é realidade fácil de imaginar, mas de especificação complicada. Assim, no mais rústico dos exemplos: o programa de TV em que aparecerem em praias ou piscinas mulheres em biquínis não ofenderá valores das famílias, mesmo conservadoras. A mesma situação, estando as moças de sutiãs e calcinhas, iguais aos biquínis, num quarto ou sem tais peças no Carnaval elevará o número de ofendidos. Há países nos quais esse comportamento resultaria em prisões, agressões e condenações severas.
Bons costumes variam no espaço. Variam também no tempo. O exemplo mais erudito e mais densamente acadêmico da literatura está em "Os Libertinos do Século XVII", saído na "Biblioteca da Pléiade", com apresentação e notas de Jacques Prevot (Editora Gallimard, Paris, 1.725 páginas, 1998). São 61 páginas de introdução, centenas de notas de rodapé, mais 507 páginas com notícia sobre cada narrativa, bibliografia e índice de notas. Os textos reunidos hão de ter chocado a gente de seu tempo. Hoje, em sua maior parte, fazem rir, pela inocência.
Mais dois exemplos fáceis e sem a mesma erudição: a ópera de Verdi "La Traviata" foi proibida pela censura por imoralidade. O romance "O Amante de Lady Chaterley" passou anos proibidíssimo, para tristeza de seu autor, D.H. Lawrence.
Ora, o artigo 221 da Constituição garante a defesa dos interessados contra programação dos meios eletrônicos de comunicação onde haja ofensa aos referidos valores. A solução ideal seria a preservação desses valores pelos próprios meios de comunicação, mas a disputa de mercado dificulta o autocontrole. Os filmes de violência absurda, mesmo em "cartoons", os programas de "pegadinhas" imbecis propõem obstáculos difíceis de serem superados. Diante da amplitude da Carta é difícil chegar a um resultado isento de dúvida.
A censura, feita por servidores públicos, não resolve. O remédio cabe a nós todos, os que criticamos a violência, a imoralidade e o abuso, mas continuamos dando audiência a tais programas. A solução não está nos programas. Está em nós. Em cada um de nós.


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