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LETRAS JURÍDICAS
A volta do bem-estar e dos bons costumes
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Passado o Carnaval, volto ao tema dos bons costumes e do bem-estar, com variação
apenas constitucional. A Constituição resguarda os valores éticos
e sociais da pessoa e da família. Se
a norma superior os preserva, isso
está a dizer que subordina a lei
ordinária aos fins indicados e assegura meios coercitivos para impedir sua violação.
Está no artigo 221 da Carta
Magna a inclusão de princípio
garantidor do respeito aos valores
mencionados, a ser observado na
programação das emissoras de
rádio e de televisão. A linguagem,
porém, é vaga, gerando dificuldade no exame das alternativas, como se viu nos dias de Momo.
Tem razão Alexandre Moraes
em seu livro "Constituição do
Brasil Anotada" (Editora Atlas,
2.924 páginas) quando observa,
anotando o artigo 221, que "a extrema generalidade desses princípios, somada à proibição constitucional da censura, torna a presente norma inócua..." A crítica é
procedente. A Constituição usa
bem-estar como equivalente relativo de bem comum para satisfazer objetivos variadíssimos, nos
artigos 23, parágrafo único (desenvolvimento nacional), 186, inciso IV (função social da propriedade), 193 (objetivo da ordem social), 219 (mercado interno), 230
(idosos), 231, parágrafo 1º (índios), além de alusão genérica no
preâmbulo. A preservação dos
bons costumes é uma forma de
garantia do bem-estar da média
das pessoas.
"Bons costumes" é realidade fácil de imaginar, mas de especificação complicada. Assim, no
mais rústico dos exemplos: o programa de TV em que aparecerem
em praias ou piscinas mulheres
em biquínis não ofenderá valores
das famílias, mesmo conservadoras. A mesma situação, estando
as moças de sutiãs e calcinhas,
iguais aos biquínis, num quarto
ou sem tais peças no Carnaval
elevará o número de ofendidos.
Há países nos quais esse comportamento resultaria em prisões,
agressões e condenações severas.
Bons costumes variam no espaço. Variam também no tempo. O
exemplo mais erudito e mais densamente acadêmico da literatura
está em "Os Libertinos do Século
XVII", saído na "Biblioteca da
Pléiade", com apresentação e notas de Jacques Prevot (Editora
Gallimard, Paris, 1.725 páginas,
1998). São 61 páginas de introdução, centenas de notas de rodapé,
mais 507 páginas com notícia sobre cada narrativa, bibliografia e
índice de notas. Os textos reunidos hão de ter chocado a gente de
seu tempo. Hoje, em sua maior
parte, fazem rir, pela inocência.
Mais dois exemplos fáceis e sem
a mesma erudição: a ópera de
Verdi "La Traviata" foi proibida
pela censura por imoralidade. O
romance "O Amante de Lady
Chaterley" passou anos proibidíssimo, para tristeza de seu autor,
D.H. Lawrence.
Ora, o artigo 221 da Constituição garante a defesa dos interessados contra programação dos
meios eletrônicos de comunicação onde haja ofensa aos referidos valores. A solução ideal seria
a preservação desses valores pelos
próprios meios de comunicação,
mas a disputa de mercado dificulta o autocontrole. Os filmes de
violência absurda, mesmo em
"cartoons", os programas de "pegadinhas" imbecis propõem obstáculos difíceis de serem superados. Diante da amplitude da Carta é difícil chegar a um resultado
isento de dúvida.
A censura, feita por servidores
públicos, não resolve. O remédio
cabe a nós todos, os que criticamos a violência, a imoralidade e o
abuso, mas continuamos dando
audiência a tais programas. A solução não está nos programas. Está em nós. Em cada um de nós.
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