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São Paulo, sábado, 08 de março de 2003

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CONDIÇÃO FEMININA

Isabel Maria da Conceição, que teria sido morta pelo marido em 1929, é cultuada em capela a 350 km de Fortaleza

Protetora das espancadas é venerada no CE

Jarbas Oliveira/Folha Imagem
Devotos visitam a capela de finada Isabel, protetora das traídas


KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM GUARACIABA DO NORTE

Moradores de um município do interior do Ceará veneram uma santa popular, protetora das mulheres traídas e espancadas. O culto a Isabel Maria da Conceição, conhecida como finada Isabel, é feito numa pequena capela na beira da estrada que liga Guaraciaba do Norte a Reriutaba, na serra da Ibiapaba, a 350 km de Fortaleza, local onde ela teria sido morta pelo marido, em 1929.
Vidros de remédio vazios são deixados no altar enfeitado com flores artificiais velhas. Os fiéis levam ex-votos (esculturas em madeira que representam uma parte do corpo curada), roupas, fotos, velas e fogos de artifícios para agradecer as graças que acreditam ter alcançado por intermédio da "alma da santa".
Maria Souza Nascimento, conhecida como dona Maura, é catequista da igreja de Guaraciaba do Norte e considerada pelos fiéis a rezadora oficial da capela de finada Isabel. Ela mesma já fez cinco promessas, uma delas para curar um sobrinho, que "estava no mau caminho". Ela diz que, depois da oração, ele voltou para casa e melhorou. Quase todos os dias pela manhã, dona Maura segue em caminhada de sua casa até a capela, um percurso de dois quilômetros, para rezar o terço a pedido de outras pessoas.
A crença de que Isabel é santa nasceu logo depois de sua morte. Aos 28 anos, ela foi espancada e morta pelo marido, conhecido como Zé Passarinho, que tinha ciúmes de sua beleza.
Depois, ela foi jogada por ele em um penhasco, mas seu corpo teria ficado preso em uma árvore, que, segundo a crença popular, continuaria intacta até hoje.
A história da morte de Isabel é narrada em uma oração distribuída aos 30 mil habitantes de Guaraciaba do Norte há dois anos, em homenagem ao centenário do nascimento dela. "Valei-me, na vossa condição de protetora que fostes escolhida pelas esposas espancadas e mulheres traídas, na minha aflição, alcançando-me a graça de que tanto necessito", diz um trecho da oração. O autor do texto é desconhecido.
"Minha mãe fez promessa para a finada Isabel curar meu pai, para ele parar de beber. Depois disso, ele nunca mais bebeu, até morrer", contou a aposentada Altair Fernandes, 70.
Apesar de ser considerada a protetora das mulheres traídas e espancadas, a finada Isabel tem também fiéis homens. Eles fazem pedidos variados, como de emprego e de dinheiro.
Não há uma data fixa de romaria. Caminhadas acontecem esporadicamente, sempre que alguém precisa, iniciando da sede de Guaraciaba do Norte, a oito quilômetros da capela. Diariamente, porém, fiéis soltam fogos de artifícios em frente à capela para homenagear finada Isabel.
"Não sei se ela é santa, mas acho que é como a Madre Teresa de Calcutá e a Irmã Dulce, que, pela vida que tiveram, têm uma alma milagrosa", disse o comerciante Francisco Mendes Bezerra, 78.
Bezerrinha, como é conhecido, chorou ao falar que acredita que a fé na alma de Isabel o ajudou a se curar de um câncer. Para agradecer, mandou rezar uma missa em frente à capela, há quatro anos.
Eliseu Félix Neves, 35, dono de um botequim na comunidade de Bananeiras, em Guaraciaba do Norte, ainda "deve" uma promessa a Isabel. Segundo ele, todos os pedidos que já fez foram atendidos, inclusive a cura de uma filha, hoje com nove anos, que, em 1999, sofreu um traumatismo craniano depois de um acidente de carro. "Ela foi operada e hoje está aí, inteirinha, graças à força da santa", disse. Como agradecimento, ele pediu que um artesão fizesse um ex-voto que representasse a cabeça ferida da menina.
"A gente pede pelo amor de Deus para a pessoa fazer a escultura, senão a promessa não dá certo. Não pode pagar para fazer nem comprar uma peça pronta", disse Maria Barreto da Silva, 50, outra devota de Isabel. Cabeças e pernas são os ex-votos mais numerosos deixados na capela.


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