São Paulo, sábado, 08 de março de 2008

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Lula deu aval à PF para barrar espanhóis

Decisão foi articulada pelo secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, e teve o apoio do presidente

Itamaraty evita caracterizar medida como retaliação à forma como a Espanha trata brasileiros e diz que governo só aplica regras vigentes

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A decisão de repatriar sete espanhóis que desembarcaram anteontem à noite em Salvador foi articulada pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral do Itamaraty, e avalizada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como retaliação ao tratamento dado aos brasileiros em Madri. A execução foi da Polícia Federal.
Apesar disso, o governo insiste em dizer que não se tratou de retaliação, classificando o veto à entrada dos espanhóis como "uma boa coincidência", como disse à Folha o subsecretário-geral para as comunidades brasileiras no exterior do Itamaraty, embaixador Otto Maia.
No sentido de evitar um confronto assumido com a Espanha, Itamaraty, Planalto e PF fecharam a mesma versão: a operação foi resultado de uma decisão do Planalto de que a PF deveria ser "mais rigorosa" na fiscalização da entrada de estrangeiros no país, especialmente os oriundos da Espanha.
O governo estudou as regras vigentes para a entrada de estrangeiros e determinou que fossem cumpridas à risca no caso dos espanhóis. Entre as exigências estão: passagem de volta, dinheiro para se manter no país e nome do hotel ou endereço do parente ou amigo onde ficará hospedado.
Otto Maia acrescentou que também poderá ser cobrado seguro de saúde em alguns casos específicos e reconhece que esses procedimentos já são oficialmente previstos há muito tempo, mas que o Brasil fazia vistas grossas: "O Brasil é muito flexível, muito tolerante. Doravante, será mais inflexível, mais intolerante, para que não exagerem. Tudo tem limite."
Se não admite que determinou uma retaliação ao governo espanhol, o brasileiro admite, sim, exigir "reciprocidade" -o que, na prática, é o mesmo.
Ontem, Otto Maia se encontrou com o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, para tratar da questão e lhe fez pelo menos um pedido muito específico: que a PF tome o depoimento de todos os brasileiros que sejam barrados não só na Espanha, mas nos demais países da União Européia.
A intenção é cruzar a versão dos brasileiros com a que os serviços de imigração da Espanha dão oficialmente à embaixada e ao consulado do Brasil em Madri. Além disso, a expectativa do Itamaraty e da PF é saber que alegações os agentes usam no contato com as vítimas e como elas são tratadas.
Uma das preocupações é ouvir as pessoas com menos escolaridade e menos iniciativa e que passam por tudo isso sem reclamar nos consulados e nas embaixadas. Uma das questões consideradas graves por Maia e também pelo embaixador brasileiro em Madri, José Viegas, é que a Espanha tem o direito de recusar viajantes, mas não de isolá-los, às vezes até por dias.
"Ninguém pode negar o direito da Espanha de recusar pessoas em seu território, mas o Brasil quer um tratamento respeitoso e digno para os seus cidadãos", disse Viegas, ontem, por telefone.
Enquanto o embaixador da Espanha no Brasil, Ricardo Peidró, foi convocado duas vezes ao Itamaraty, a última delas anteontem, para dar explicações sobre as descortesias dispensadas a brasileiros, Viegas e o cônsul em Madri, Gelson Fonseca, fizeram duras reclamações às autoridades espanholas nesses últimos dias.
Anteontem, Viegas transmitiu ao Ministério de Assuntos Estrangeiros uma reclamação direta do chanceler Celso Amorim, que estava na República Dominicana. Disse que Amorim estava distribuindo uma nota de protesto e estava "profundamente insatisfeito".
O embaixador também encaminhou uma espécie de dossiê manuscrito para o ministro do Interior, Alfredo Rubalcaba, relatando o desprezo com que as gestões anteriores do Brasil tinham sido tratadas e anexando tanto a nota de Amorim como recortes da imprensa brasileira, para comprovar o clima de irritação no país.
Um dos principais motivos da reclamação brasileira foi no caso dos dois estudantes de mestrado do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do RJ), Patrícia Rangel e Pedro Luiz Lima, que apenas faziam uma escala para ir a encontro acadêmico em Lisboa.
Gelson Fonseca enviou documentos comprovando que todas as informações fornecidas por eles eram procedentes, mas nem sequer obteve resposta. Os dois contam que, além de repatriados, passaram várias horas sem beber e comer e sem contato com a família. "Isso é dramático", disse Otto Maia.


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