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Lula deu aval à PF para barrar espanhóis
Decisão foi articulada pelo secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, e teve o apoio do presidente
Itamaraty evita caracterizar medida como retaliação à forma como a Espanha trata brasileiros e diz que governo só aplica regras vigentes
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A decisão de repatriar sete
espanhóis que desembarcaram
anteontem à noite em Salvador
foi articulada pelo embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães,
secretário-geral do Itamaraty,
e avalizada pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, como
retaliação ao tratamento dado
aos brasileiros em Madri. A
execução foi da Polícia Federal.
Apesar disso, o governo insiste em dizer que não se tratou de
retaliação, classificando o veto
à entrada dos espanhóis como
"uma boa coincidência", como
disse à Folha o subsecretário-geral para as comunidades brasileiras no exterior do Itamaraty, embaixador Otto Maia.
No sentido de evitar um confronto assumido com a Espanha, Itamaraty, Planalto e PF
fecharam a mesma versão: a
operação foi resultado de uma
decisão do Planalto de que a PF
deveria ser "mais rigorosa" na
fiscalização da entrada de estrangeiros no país, especialmente os oriundos da Espanha.
O governo estudou as regras
vigentes para a entrada de estrangeiros e determinou que
fossem cumpridas à risca no
caso dos espanhóis. Entre as
exigências estão: passagem de
volta, dinheiro para se manter
no país e nome do hotel ou endereço do parente ou amigo
onde ficará hospedado.
Otto Maia acrescentou que
também poderá ser cobrado
seguro de saúde em alguns casos específicos e reconhece que
esses procedimentos já são oficialmente previstos há muito
tempo, mas que o Brasil fazia
vistas grossas: "O Brasil é muito flexível, muito tolerante. Doravante, será mais inflexível,
mais intolerante, para que não
exagerem. Tudo tem limite."
Se não admite que determinou uma retaliação ao governo
espanhol, o brasileiro admite,
sim, exigir "reciprocidade" -o
que, na prática, é o mesmo.
Ontem, Otto Maia se encontrou com o diretor-geral da PF,
Luiz Fernando Corrêa, para
tratar da questão e lhe fez pelo
menos um pedido muito específico: que a PF tome o depoimento de todos os brasileiros
que sejam barrados não só na
Espanha, mas nos demais países da União Européia.
A intenção é cruzar a versão
dos brasileiros com a que os
serviços de imigração da Espanha dão oficialmente à embaixada e ao consulado do Brasil
em Madri. Além disso, a expectativa do Itamaraty e da PF é
saber que alegações os agentes
usam no contato com as vítimas e como elas são tratadas.
Uma das preocupações é ouvir as pessoas com menos escolaridade e menos iniciativa e
que passam por tudo isso sem
reclamar nos consulados e nas
embaixadas. Uma das questões
consideradas graves por Maia e
também pelo embaixador brasileiro em Madri, José Viegas, é
que a Espanha tem o direito de
recusar viajantes, mas não de
isolá-los, às vezes até por dias.
"Ninguém pode negar o direito da Espanha de recusar
pessoas em seu território, mas
o Brasil quer um tratamento
respeitoso e digno para os seus
cidadãos", disse Viegas, ontem,
por telefone.
Enquanto o embaixador da
Espanha no Brasil, Ricardo
Peidró, foi convocado duas vezes ao Itamaraty, a última delas
anteontem, para dar explicações sobre as descortesias dispensadas a brasileiros, Viegas e
o cônsul em Madri, Gelson
Fonseca, fizeram duras reclamações às autoridades espanholas nesses últimos dias.
Anteontem, Viegas transmitiu ao Ministério de Assuntos
Estrangeiros uma reclamação
direta do chanceler Celso Amorim, que estava na República
Dominicana. Disse que Amorim estava distribuindo uma
nota de protesto e estava "profundamente insatisfeito".
O embaixador também encaminhou uma espécie de dossiê
manuscrito para o ministro do
Interior, Alfredo Rubalcaba,
relatando o desprezo com que
as gestões anteriores do Brasil
tinham sido tratadas e anexando tanto a nota de Amorim como recortes da imprensa brasileira, para comprovar o clima
de irritação no país.
Um dos principais motivos
da reclamação brasileira foi no
caso dos dois estudantes de
mestrado do Iuperj (Instituto
Universitário de Pesquisas do
RJ), Patrícia Rangel e Pedro
Luiz Lima, que apenas faziam
uma escala para ir a encontro
acadêmico em Lisboa.
Gelson Fonseca enviou documentos comprovando que
todas as informações fornecidas por eles eram procedentes,
mas nem sequer obteve resposta. Os dois contam que, além de
repatriados, passaram várias
horas sem beber e comer e sem
contato com a família. "Isso é
dramático", disse Otto Maia.
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