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Elisa, 90, troca as novelas por curso de direito em BH
Aposentada desde 1989, pedagoga planeja fazer estágio no escritório do filho e do neto e aprender a utilizar a internet
Elisa não fez preparação específica para o vestibular;
para passar, ela diz que usou conhecimento adquirido em
livros, viagens e conversas
CLÁUDIA COLLUCCI
ENVIADA ESPECIAL A BELO HORIZONTE
Sentada na primeira fila da
sala 137, Elisa não tira os olhos
da professora de português. O
tema da aula é o uso indevido
dos cartões corporativos no governo federal, e os alunos farão
um trabalho em conjunto. São
19h30 da última quarta-feira, o
ano letivo mal começou e a estudante já se preocupa com as
provas do final do semestre.
"Não posso fazer feio", diz ela.
Há três semanas, a pedagoga
mineira Elisa de Castro Tito, de
90 anos, trocou suas noites regadas a novelas pelas aulas do
curso de direito da Faculdade
Arnaldo Janssen, no centro de
Belo Horizonte (MG). "Cansei
de ver violência e sexo na TV.
Quero usar meu tempo para
coisas mais úteis", afirma a caloura, que tem nove filhos, 22
netos e três bisnetos.
Aposentada há quase 20 anos
e sem preparação prévia para o
vestibular ("usei o conhecimento que adquiri na minha vida, nas leituras, nas minhas viagens, nas conversas com minha
família"), Elisa passou no concurso no final do ano e, desde
então, virou ícone na instituição de ensino (que durante o
dia é um colégio), por onde já
passaram nomes como Guimarães Rosa, Carlos Drummond
de Andrade e Ivo Pitanguy.
"Trabalho duro o dia todo,
chego aqui bem cansada, mas
quando olho para a dona Elisa,
penso comigo: "não posso desanimar. Se ela, que tem o dobro
da minha idade, está aqui disposta a aprender, eu também
posso", diz a colega de classe
Claudia Nery, 45.
A admiração se estende à ala
masculina. O caçula da sala, Lucas Mayrink, 19, piercing na
orelha e rabo-de-cavalo no cabelo, afirma que aprende muito
com a idosa. "Ela é muito culta
e simpática com todo mundo."
A futura advogada não se furta ao debate. Para todas as perguntas, tem uma opinião na
ponta da língua. Eleições presidenciais nos EUA? "Acho o [Barack] Obama muito jovem e a
Hillary, teleguiada pelo Bill
Clinton. Mas também não gosto muito do candidato do Bush
[referindo-se ao republicano
John McCain]."
Uso dos cartões corporativos? "Uma pouca vergonha, um
disparate que deveria ser punido. Gente, comprar mesa de bilhar é muita cara-de-pau, né?"
Pesquisas com célula-tronco
embrionária? "Não tem fundamento cristão. Penso que deveriam priorizar as pesquisas
com células-tronco adultas."
Pintura
Três horas antes do início da
aula na quarta-feira, lá estava
Elisa às voltas com a administração do apartamento onde
mora com um filho viúvo e três
netos. Orientou a empregada
sobre o que fazer para o jantar,
pediu café e mostrou a esta repórter o hobby que cultiva há
80 anos: a pintura.
As paredes da ampla sala de
estar estão repletas com suas
obras. Quadros, cerâmicas, finas porcelanas, todos levam a
assinatura caprichada de Elisa.
A saúde também vai muito
bem, obrigado. "Não tomo nenhum remédio de uso contínuo. Minha pressão é ótima,
minhas taxas de colesterol e de
glicemia, idem. Como de tudo,
mas sem exagero. E gosto de vinho suave, de vez em quando."
E o segredo para ter essa vitalidade aos 90 anos? "Não vi o
tempo passar. Não guardo raiva
ou mágoa das pessoas. E também não passei por grandes sofrimentos na vida. Nunca perdi
um filho, por exemplo."
Viúva há dez anos, Elisa conta que se surpreende com os
procedimentos estéticos aos
quais as mulheres de meia-idade se submetem hoje em dia.
"Colocam botox, preenchimento, fio de ouro. Fica aquele
rosto repuxado e o pescoço todo enrugado. É muito feio",
opina, garantindo que nunca
pensou em fazer nada parecido.
"Minha neta vive falando para eu passar cremes anti-rugas,
mas acabo esquecendo. Também não ligo para comprar roupas. Tenho vestidos de 30 anos
atrás que ainda estão na moda."
Desde que se aposentou, em
1989, Elisa investiu seu tempo e
seu dinheiro em viagens pela
Europa e pelo EUA, na companhia da irmã, dois anos mais
nova. "Meu marido não gostava
de viajar." A viagem ao Egito foi
a que mais a marcou. "As pirâmides são fantásticas."
E os planos para o futuro, dona Elisa? "Se o juiz supremo
não bater o martelo antes, vou
ser estagiária no escritório de
advocacia do meu filho e do
meu neto. Tenho muita vivência e isso pode ajudar na condução dos casos. Também quero
fazer um curso de informática e
saber navegar na internet."
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