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LETRAS JURÍDICAS
Poucos palpitam no direito internacional
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Li nesta semana que o Brasil
passou a ser a 11ª economia
do mundo, em evolução constante desde os anos 80 do século passado. Nada obstante o fato ser
auspicioso, o índice não corresponde ao papel que nosso país deve representar no mundo, na aplicação das regras do direito internacional público, que é o direito
entre nações. Os fortes, porém, o
manuseiam a seu gosto. Os demais, quando muito, podem observar o que está acontecendo,
sem grande interferência.
Há um lado evidente na aplicação desse ramo da ciência jurídica. Apesar de sua crescente transformação em normas escritas, de
caráter transnacional, elas regulam a relação entre nações, mas
são de difícil aplicação porque
não há modo de dar uniformidade à sua interpretação. Na vida
diária vê-se a influência e até
mesmo a intervenção das nações
mais poderosas, das mais armadas, nos negócios internacionais
sem dar atenção às demais quando isso convenha aos seus interesses. Em síntese, o direito internacional público está, ainda, entre a
realidade e a ficção.
O direito internacional privado
tem forte caráter contratual, mas
com freqüência se entrosa com as
políticas nacionais. Surgiram dois
exemplos expressivos, durante a
semana, que tornam útil o reaproveitamento do tema. São os da
questão do gás boliviano, com o
Brasil e o da declaração da Dra.
Condoleeza Rice, secretária de Estado dos Estados Unidos, de que o
Iraque está precisando de um governo forte.
No caso da Petrobras, na Bolívia, é bem evidente a comunhão
de interesses entre aquele país
central e o nosso, quanto ao fornecimento de gás, produto no
qual temos muitas reservas, mas
inexploradas até o presente. A
Bolívia, por seu lado, não tem fregueses para o gás com a mesma
potencialidade aquisitiva e capacidade de transporte por gasoduto quanto o Brasil. Nas relações
bolivianas da Petrobras predomina a colocação da legitimidade e
da legalidade sob a lei interna dos
dois países. Embora ambos e suas
empresas sejam ligados por tratados e contratos, na hora de os interpretar e aplicar, a conversa parece diálogo dos surdos. Os bolivianos querem e têm direito de reclamar respeito aos seus interesses e sua soberania. Os brasileiros
querem e têm direito de querer o
respeito aos documentos firmados pela Petrobras e pela sua contraparte boliviana segundo interpretação justa, não imposta por
um lado ao outro. A interpretação puramente jurídica não basta. Deverá compreender o respeito recíproco entre as partes. A arte
de negociar economia supera,
nesse caso, a arte de negociar
direitos.
No Iraque é a mesma coisa. Os
Estados Unidos, nos quadros da
chamada doutrina Bush, deliberaram defender seus direitos unilateralmente, quando isso lhes
parecesse conveniente. Ocuparam
o Iraque, sob desculpa que se verificou falsa, mas suas empresas lá
obtiveram contratos valiosíssimos. O direito interno iraquiano,
em situação de pré-greve civil,
não dá solução para os interesses
empresariais. Condoleeza afirmou que o Iraque precisa de um
governo forte. Ou seja, quer o direito interno aplicado de forma a
garantir a paz interna e, com ela,
os contratos internacionais.
Há, no entanto, conseqüências
não previstas. No país dominado
por tropas de ocupação, estas
querem voltar para casa. Governo forte e tropas fora do Iraque levam à pergunta óbvia: mas foi
para isso que se provocaram tantas mortes? Voltando ao começo:
podemos discutir cláusulas com a
Bolívia, mas os grandes temas do
direito internacional são resolvidos pelos poderosos, segundo seus
próprios desígnios. Teremos de
aperfeiçoar o controle do urânio
para chegar lá?
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