São Paulo, sábado, 08 de abril de 2006

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LETRAS JURÍDICAS

Poucos palpitam no direito internacional

WALTER CENEVIVA

COLUNISTA DA FOLHA

Li nesta semana que o Brasil passou a ser a 11ª economia do mundo, em evolução constante desde os anos 80 do século passado. Nada obstante o fato ser auspicioso, o índice não corresponde ao papel que nosso país deve representar no mundo, na aplicação das regras do direito internacional público, que é o direito entre nações. Os fortes, porém, o manuseiam a seu gosto. Os demais, quando muito, podem observar o que está acontecendo, sem grande interferência.
Há um lado evidente na aplicação desse ramo da ciência jurídica. Apesar de sua crescente transformação em normas escritas, de caráter transnacional, elas regulam a relação entre nações, mas são de difícil aplicação porque não há modo de dar uniformidade à sua interpretação. Na vida diária vê-se a influência e até mesmo a intervenção das nações mais poderosas, das mais armadas, nos negócios internacionais sem dar atenção às demais quando isso convenha aos seus interesses. Em síntese, o direito internacional público está, ainda, entre a realidade e a ficção.
O direito internacional privado tem forte caráter contratual, mas com freqüência se entrosa com as políticas nacionais. Surgiram dois exemplos expressivos, durante a semana, que tornam útil o reaproveitamento do tema. São os da questão do gás boliviano, com o Brasil e o da declaração da Dra. Condoleeza Rice, secretária de Estado dos Estados Unidos, de que o Iraque está precisando de um governo forte.
No caso da Petrobras, na Bolívia, é bem evidente a comunhão de interesses entre aquele país central e o nosso, quanto ao fornecimento de gás, produto no qual temos muitas reservas, mas inexploradas até o presente. A Bolívia, por seu lado, não tem fregueses para o gás com a mesma potencialidade aquisitiva e capacidade de transporte por gasoduto quanto o Brasil. Nas relações bolivianas da Petrobras predomina a colocação da legitimidade e da legalidade sob a lei interna dos dois países. Embora ambos e suas empresas sejam ligados por tratados e contratos, na hora de os interpretar e aplicar, a conversa parece diálogo dos surdos. Os bolivianos querem e têm direito de reclamar respeito aos seus interesses e sua soberania. Os brasileiros querem e têm direito de querer o respeito aos documentos firmados pela Petrobras e pela sua contraparte boliviana segundo interpretação justa, não imposta por um lado ao outro. A interpretação puramente jurídica não basta. Deverá compreender o respeito recíproco entre as partes. A arte de negociar economia supera, nesse caso, a arte de negociar direitos.
No Iraque é a mesma coisa. Os Estados Unidos, nos quadros da chamada doutrina Bush, deliberaram defender seus direitos unilateralmente, quando isso lhes parecesse conveniente. Ocuparam o Iraque, sob desculpa que se verificou falsa, mas suas empresas lá obtiveram contratos valiosíssimos. O direito interno iraquiano, em situação de pré-greve civil, não dá solução para os interesses empresariais. Condoleeza afirmou que o Iraque precisa de um governo forte. Ou seja, quer o direito interno aplicado de forma a garantir a paz interna e, com ela, os contratos internacionais.
Há, no entanto, conseqüências não previstas. No país dominado por tropas de ocupação, estas querem voltar para casa. Governo forte e tropas fora do Iraque levam à pergunta óbvia: mas foi para isso que se provocaram tantas mortes? Voltando ao começo: podemos discutir cláusulas com a Bolívia, mas os grandes temas do direito internacional são resolvidos pelos poderosos, segundo seus próprios desígnios. Teremos de aperfeiçoar o controle do urânio para chegar lá?


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