São Paulo, sábado, 08 de julho de 2006

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WALTER CENEVIVA

Males da advocacia e do direito

Personagem de Shakespeare diz que o melhor meio de resolver os problemas seria matar todos os advogados

A MAIOR instituição brasileira da advocacia, no campo do direito privado, é a Associação dos Advogados de São Paulo (AASP). Seu número de sócios (a adesão é voluntária) está hoje na casa dos 80 mil, como prova de liderança e qualidade em meio século de serviços. Está nesse perfil comentário publicado em 30/6/06 em Tendências e Debates, nesta Folha, de autoria de Antonio Ruiz Filho, presidente da AASP, sob o título "Advogados não são bandidos".
O comentário reconhece os perigos pelos quais passa a advocacia por perda de prestígio em face da sociedade, mas critica a generalização de casos isolados na categoria, em São Paulo, onde militam cerca de 220 mil profissionais. A colocação é precisa. Afasta a atitude oposta, da não preocupação com deslizes éticos agravados, nos últimos tempos, pela quantificação excessiva de advogados, pela pouca intimidade com princípios do direito, filha da má qualidade do ensino jurídico. Vivemos a criação de profissionais inabilitados, estimulada pela facilidade (hoje a caminho de sua superação) dos Exames de Ordem, antes apenas confirmadores do diploma fartamente distribuído pela indústria de pedagogia da enganação. Sentimos, outrossim, os efeitos da omissão das autoridades, tratando com indiferença a perda de qualidade, sem falar na disparada de autorizações para novas escolas de direito. Alguma coisa vem sendo feita, mas a súmula do presidente da AASP diz ser "preciso muito mais. Ética, bom nível intelectual e domínio do conhecimento jurídico são atributos inseparáveis do advogado, entre outras tantas qualidades que dele se pode esperar". Critica, mais à frente, a negligência da OAB durante anos com a concessão indiscriminada de inscrições. Chama a atenção da sociedade, desinteressada da qualidade, só querendo o diploma (melhor se diria o "diproma") dos pseudo-profissionais.
O mal não é só brasileiro nem recente. Canso o leitor lembrando, mais uma vez, William Shakespeare (1564/1616), que, na primeira peça sobre Henrique 6º (1593), pôs no diálogo de seus personagens que o melhor meio de resolver os problemas do reino seria matar todos os advogados. Críticas semelhantes surgiram no teatro português de Gil Vicente (nasceu em 1465 e morreu provavelmente em 1530) e no francês de Molière (não recebeu esse nome na pia batismal, mas o de Jean Baptiste Poquelin) que viveu entre 1622 e 1663. Divertiam o povo com diálogos picarescos sobre desatinos de advogados e juízes. O sucesso de público subsistente até hoje se explica pois, no seu tempo, já era uso desgostar do andamento da Justiça e especialmente dos advogados da parte contrária, quando não os dos próprios clientes.
Velhos exemplos internacionais não desculpam nossos erros, até porque as questões legais assumem aspectos novos na era da informação generalizada, quando deficiências da Justiça oficial encontram acolhida nos meios de comunicação social. Estamos vivendo um novo mundo, como previram Aldous Huxley e, sem a mesma precisão, George Orwell. Reconhecidas, porém, as deficiências nem por isso tem cabimento exagerar indiscriminadamente seus efeitos, pois com isso a grande vítima, mais uma vez, é a sociedade e, nela, os menos providos de recursos.


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