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ENTREVISTA/ ROGERIO FASANO
Um vinho custar mais de R$ 2.000 é uma "aberração"
Dono da rede de restaurantes mais chique do país diz que elite deveria se mobilizar,
critica bebidas caríssimas e sugere a demolição do Jardim Europa
DONO DA REDE de restaurantes mais freqüentada pela elite, o empresário Rogerio
Fasano vê exageros no consumo de luxo.
Diz considerar uma "aberração" uma garrafa de vinho custar R$ 2.000, mas oferece em sua
principal casa, o Fasano, opções de mais de R$ 39 mil.
Também sugere a transformação do Jardim Europa
em um parque. "Se você fizer uma contagem, deve ter
mil casas no Jardim Europa. Acho que mil moradores
poderiam ser prejudicados em prol de 15 milhões."
DANIEL BERGAMASCO
DA REPORTAGEM LOCAL
Aos 45 anos, Fasano diz que
ainda não conseguiu realizar o
sonho da casa própria. Em
compensação, é dono da rede
de restaurantes mais chique do
país, que, além do Fasano, engloba o Gero (filiais no Rio e em
São Paulo) e Parigi, o bar Baretto, duas enotecas, três cafés,
um hotel e uma casa de eventos. No final do mês, ele inaugura, no Rio de Janeiro, um novo
hotel de luxo. "Tudo o que ganho é reinvestido. Não consigo
comprar meu apartamento."
FOLHA - Os preços cobrados em
restaurantes finos são chocantes
para muitos. O conhaque [Hennessy
Richard] vendido a R$ 900 a dose vale tudo isso?
ROGERIO FASANO - Eu nunca tomei. Para quem gosta de conhaque, pode valer... Acho que tem
vinho que vale muito dinheiro.
Mas tem limite também. Nenhum vinho pode custar mais
que R$ 2.000! É um absurdo,
uma aberração.
FOLHA - Você censura preços?
FASANO - Não que eu censure.
É que acho que não dá para ter
mesmo. Outro dia vi em Londres um vinho a 60 mil libras
[cerca de R$ 230 mil]. Era um
Château d'Yquem 1903. Acho
ridículo. A mim, me agride.
FOLHA - Para algumas pessoas, o
conhaque de R$ 900 a dose também
soa agressivo.
FASANO - Mas eu entendo que
soe mesmo. Mas é um conhaque que você tem uma garrafa,
que dura dez, 20 anos, ninguém
pede.
FOLHA - E o Fasano tem vinhos de
mais de R$ 2.000...
FASANO - Eu não compro. Acho
que você consegue vinhos muito bons de R$ 400, R$ 500. Aí
entra o discurso da relação custo-benefício. Esses ícones, eu
tenho que ter, os Rolls-Royce.
Têm preços além da qualidade,
pelo excesso de fama.
FOLHA - A moda de devolver vinho
irrita os donos de restaurante?
FASANO - Está cheio de vinho
com problemas. Está cheio de
vinho "bouchonné" [com aroma de rolha]. Isso pode acontecer em vinho de US$ 1.000 e
com vinho de R$ 40.
FOLHA - Mas há exagero?
FASANO - As pessoas estão entendendo mais de vinho e não
posso ser contra isso. Vinte e
cinco anos atrás, 90% do público brasileiro comia com uísque
na mesa. Comida não combina
com uísque! O futebol fica conhecido e todo mundo fala "põe
o cara, tira o cara". Por isso todo
brasileiro é metido a técnico. O
que talvez falta ainda é a expectativa sobre um vinho. Você
compra um chileno 2004 madeirado, tem que saber o que
está comprando, não é dizer
"não achei redondo". Aí é falta
de conhecimento, ou de comunicação com o sommelier.
FOLHA - Que hábitos mudaram?
FASANO - São Paulo era muito
mais provinciana, então as pessoas mandavam mais no restaurante. Tipo chegar e falar:
"Eu quero um filé à parmegiana". É falta de respeito ao profissional que está atrás. O brasileiro tinha aquela coisa do pratão único, que não rola na alta
gastronomia. Eu já recusei pedido de costeleta à milanesa
com espaguete de frutos do
mar junto no mesmo prato.
"Ah, então eu vou embora". Fazer o quê? Não pode! É desrespeitar toda uma tradição culinária. Mudou muito.
FOLHA - Seu hotel tem tapetes do
Irã, lençóis egípcios. Qual é o limite?
FASANO - Aí é subjetivo. Tudo
que é "over" é cafona. Eu quis
fazer um novo Fasano quando
eu achava que o meu Fasano estava "over". Não agüentava
mais aquele predinho neoclássico. O gol do Fasano atual é como ele é mais jovem e você vê
isso nitidamente na clientela.
Ali eu estava ficando velho.
FOLHA - O estilo neoclássico é muito comum em São Paulo. Isso lhe incomoda?
FASANO - Eu não gosto. Mas em
São Paulo nada me incomoda.
Porque São Paulo é tão feio que
dizer o que é mais feio é difícil.
Nada contra o neoclássico. Mas
o meu, ali do Fasano, pelo menos tinha proporção! Você vê
aquele prédio em frente ao
shopping Iguatemi [Plaza Iguatemi], é um prédio que não tem
proporção, feito de pré-moldado. Querem dar um aspecto de
nobreza, mas qualquer pessoa
que entende de arquitetura sabe que pré-moldado é mais barato do que colocar tijolinho na
fachada. Vem do jeito que você
quiser: mais rococó, menos rococó, e em um mês tá pronto.
FOLHA - Do que mais não gosta em
São Paulo?
FASANO - O que tem de fio em
São Paulo! Você não consegue
olhar para cima. Por outro lado,
você tem um padrão de arquitetura raro de se alcançar, com
gente do gabarito de Isay Weinfeld, Paulo Mendes da Rocha. O
Jardim Europa [onde mora em
uma casa alugada], por exemplo, é maravilhoso.
FOLHA - Por quê?
FASANO - Essas ruas tortas...
Apesar que eu acho que aquilo
tudo tinha que ser demolido e
feito um parque. Se você fizer
uma contagem, deve ter mil casas no Jardim Europa. Acho
que mil moradores poderiam
ser prejudicados em prol de 15
milhões. Se você olhar de cima,
o Jardim Europa é o dobro, o
triplo do Central Park. "Tá"
pronto! É só tirar as casas. É
uma idéia meio comuna, mas...
Uma vez falei isso para o [governador José] Serra. Ele falou:
"É só um pouquinho difícil" [risos]. Mas acho mesmo. O que
falta em São Paulo? Lazer!
FOLHA - O ex-governador Cláudio
Lembo diz que o país tem uma elite
perversa, que deveria se mobilizar e
abrir a bolsa para ajudar a resolver
os problemas do país. Concorda?
FASANO - A elite tinha que se
mobilizar em relação ao todo.
Você vê coisas aqui que, se fosse
em Buenos Aires, a cidade inteira iria ao chão. O grau de violência! O Brasil está permissivo
demais, se acostumou a achar
que a violência é normal, que a
safadeza é normal.
FOLHA - Quais as dificuldades dos
empresários para crescer no Brasil?
FASANO - Eu cresci aos trancos
e barrancos, às custas de um sacrifício pessoal gigantesco.
Olha, nem apartamento eu tenho! Minha conta bancária é
correr atrás do mês para pagar
o mês. É um país que, se você
entrar em banco, você está perdido. Crédito é a pior coisa que
te podem oferecer. A relação
capital-trabalho não é a que deveria ser, o que é normal, em
um país em que o dinheiro parado rende o que rende. Quando fiz esse hotel, bati à porta de
quase todos os empresários
brasileiros. Falavam: "Por que
vou fazer uma coisa que se paga
em oito anos, se o meu dinheiro
parado rende 30% ao ano?".
FOLHA - Quando você fala de sacrifícios pessoais para vencer na profissão, isso significa o quê?
FASANO - Significa ter 45 anos,
dois infartos, dois casamentos,
vida pessoal atabalhoada, total
dedicação ao trabalho, pouco
dinheiro no bolso... Acho que
isso resume bem. Mas zero arrependimento! Me sinto muito
rico, em todos os sentidos. A
pessoa pode ter um caminhão
de dinheiro. Se ela continua
correndo atrás de grana, ela é
pobre. Se você tem dez e quer
ter 30, e fica "pê" da vida se você não tem 30, você é pobre.
FOLHA - Gosta de se aventurar pela
baixa gastronomia? Já comeu
"churrasquinho de gato"?
FASANO - Eu não como gato [risos]. Eu já comi cachorro-quente em jogo de futebol. Não
deixo de comer pipoca no cinema. O que eu não gosto é aquele
truque dos restaurantes, não só
do Brasil: alho. Deveria ter um
decreto que proibisse o uso de
alho até determinado nível. Tudo com alho fica gostoso na hora e aí, às 3h da manhã, você está com ele ainda, não dorme... É
um grande truque. Não sabe
cozinhar? Alho na cozinha!
Alho e cebola crua transformam tudo. Mas é pesado, indigesto. Drácula não tinha medo
do alho à toa. É uma arma.
FOLHA - E a história de que você já
foi pego com trufas brancas [raro cogumelo subterrâneo, vendido a até
R$ 20 mil o quilo] na alfândega?
FASANO - Isso foi com alcachofra [risos]. [Trufas] eu trazia
antes [sem declarar], agora trago tudo direitinho. Isso é coisa
de dez anos, 15 anos atrás.
Colaborou JANAINA FIDALGO
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