São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2010

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"Preconceituoso" hoje é pai de filha negra

Comerciante conta que "estupidez" e "imaturidade" o impediam de aceitar uma criança que não fosse branca

"Eu fui mudando, mudando, até que aconteceu", diz pai de Manuela, adotada aos quatro meses

DE SÃO PAULO

"Filho meu tem que ter minha cor, sangue do meu sangue". Era o que dizia o comerciante Vicente Cássio Maddalena, 48, quando o assunto que estava na roda era paternidade. Há cinco anos, no entanto, o branco Cássio é pai da negra Manuela.
Olhando pra trás, ele tenta explicar a situação. "Acho que era estupidez, imaturidade, preconceito. Mas aí fui mudando, mudando, até que aconteceu", afirma.
Cássio e sua mulher, a orientadora educacional Deborah Maddalena, 46, já tinham uma filha. Deborah, porém, não podia mais engravidar.
Ela chegou a fazer tratamentos. Sem resultado, convenceu o marido a adotar uma criança.
Foram chamados então para ver uma menina "moreninha". Conheceram assim Manuela, quatro meses.
"Quando engravidei, não tinha como devolver minha filha. Então, quando fui ver o bebê, já tinha essa ideia: a criança é minha, independentemente da cor ou sexo. Só queria ser mãe de novo", afirma Deborah.
A mãe diz que a filha sofre preconceito. Crianças brancas não quiseram dar a mão para a menina, e mães tiraram de Manuela brinquedos dos filhos delas, conta.
Foi também o desejo de ser mãe pela segunda vez que fez com que a professora Nancy Cardim, 56, branca, adotasse Mateus, 12, negro. Ela já havia adotado um menino mulato e esperava havia mais de dois anos quando conheceu Mateus, na época com dois anos, num abrigo.

DIFERENÇAS
A economista Maria da Gloria Lacerda, 47, conta que temia adotar uma criança negra porque ela seria diferente da família. Hoje, diz que ela e Samuel, 11, são parecidos. "Somos canhotos, usamos óculos, adoramos sair, ler."
O empresário Paulo Borges, diretor da São Paulo Fashion Week, adotou Henrique, 4, há três anos na Bahia. "Sempre quis adotar um afrodescendente. Admiro a África, a música de lá, a história afro-brasileira. Tenho paixão pela raça negra."

ESPERA
Se tivessem mantido a primeira opção -adotar bebês brancos-, algumas dessas famílias poderiam estar esperando até hoje.
Segundo o juiz Francisco Neto, vice-presidente para assuntos da Infância e Juventude da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), o tempo de espera por este perfil pode chegar a seis anos.
Varas de Infância e Juventude e grupos de adoção estimulam as pessoas a abrir o seu leque de opções.
"A adoção não pode nunca ser uma tentativa de simulação do que a biologia negou. As pessoas vão vendo que podem ser felizes com uma família que não está no padrão, que é colorida", diz Bárbara Toledo, presidente da Associação dos Grupos de Apoio à Adoção.
Ela tem três filhos biológicos, brancos, e duas adotadas, negras. (LUIZA BANDEIRA)


Colaborou JOÃO PAULO GONDIM


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