|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Preconceituoso" hoje é pai de filha negra
Comerciante conta que "estupidez" e "imaturidade" o impediam de aceitar uma criança que não fosse branca
"Eu fui mudando,
mudando, até que
aconteceu", diz pai
de Manuela, adotada
aos quatro meses
DE SÃO PAULO
"Filho meu tem que ter minha cor, sangue do meu sangue". Era o que dizia o comerciante Vicente Cássio Maddalena, 48, quando o assunto
que estava na roda era paternidade. Há cinco anos, no entanto, o branco Cássio é pai
da negra Manuela.
Olhando pra trás, ele tenta
explicar a situação. "Acho
que era estupidez, imaturidade, preconceito. Mas aí fui
mudando, mudando, até que
aconteceu", afirma.
Cássio e sua mulher, a
orientadora educacional Deborah Maddalena, 46, já tinham uma filha. Deborah,
porém, não podia mais engravidar.
Ela chegou a fazer tratamentos. Sem resultado, convenceu o marido a adotar
uma criança.
Foram chamados então
para ver uma menina "moreninha". Conheceram assim
Manuela, quatro meses.
"Quando engravidei, não
tinha como devolver minha
filha. Então, quando fui ver o
bebê, já tinha essa ideia: a
criança é minha, independentemente da cor ou sexo.
Só queria ser mãe de novo",
afirma Deborah.
A mãe diz que a filha sofre
preconceito. Crianças brancas não quiseram dar a mão
para a menina, e mães tiraram de Manuela brinquedos
dos filhos delas, conta.
Foi também o desejo de ser
mãe pela segunda vez que fez
com que a professora Nancy
Cardim, 56, branca, adotasse
Mateus, 12, negro. Ela já havia adotado um menino mulato e esperava havia mais de
dois anos quando conheceu
Mateus, na época com dois
anos, num abrigo.
DIFERENÇAS
A economista Maria da
Gloria Lacerda, 47, conta que
temia adotar uma criança negra porque ela seria diferente
da família. Hoje, diz que ela e
Samuel, 11, são parecidos.
"Somos canhotos, usamos
óculos, adoramos sair, ler."
O empresário Paulo Borges, diretor da São Paulo Fashion Week, adotou Henrique, 4, há três anos na Bahia.
"Sempre quis adotar um
afrodescendente. Admiro a
África, a música de lá, a história afro-brasileira. Tenho
paixão pela raça negra."
ESPERA
Se tivessem mantido a primeira opção -adotar bebês
brancos-, algumas dessas
famílias poderiam estar esperando até hoje.
Segundo o juiz Francisco
Neto, vice-presidente para
assuntos da Infância e Juventude da AMB (Associação dos
Magistrados Brasileiros), o
tempo de espera por este perfil pode chegar a seis anos.
Varas de Infância e Juventude e grupos de adoção estimulam as pessoas a abrir o
seu leque de opções.
"A adoção não pode nunca ser uma tentativa de simulação do que a biologia negou. As pessoas vão vendo
que podem ser felizes com
uma família que não está no
padrão, que é colorida", diz
Bárbara Toledo, presidente
da Associação dos Grupos de
Apoio à Adoção.
Ela tem três filhos biológicos, brancos, e duas adotadas, negras.
(LUIZA BANDEIRA)
Colaborou JOÃO PAULO GONDIM
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Análise: Pais estão reavaliando sonhos de maternidade e paternidade Índice
|