São Paulo, sábado, 08 de setembro de 2001

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LETRAS JURÍDICAS

Greve do Judiciário e seus problemas

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Setores administrativos do Judiciário do Estado de São Paulo estão em greve, cujo objetivo econômico consiste em, pelo menos, atualizar os padrões de vencimentos dos servidores, com base na perda do seu poder aquisitivo.
A atenção da mídia ao movimento é quase nenhuma. Poder-se-ia até pensar que o Judiciário é o Poder que não impressiona a sociedade. A greve fez com que todos os prazos processuais fossem suspensos pela interrupção dos serviços -ainda que parcial- nos cartórios do Estado. O silêncio é tão preocupante que me força a suspender a série de comentários sobre o Estatuto da Cidade. Prazo processual interrompido significa retardamento maior do resultado. A Justiça se desenvolve em tempos determinados, de horas e dias. Normalmente extinguem o direito quando são ultrapassados.
É bem verdade que horas e dias, na dureza fria da prática da lei, só valem para os advogados. Juízes, membros do Ministério Público e procuradores do Poder Público têm meios para fazer o prazo chegar ao fim quando lhes convenha. A suspensão do serviço administrativo gera consequências sérias para os entes privados que busquem a realização da Justiça oficial, mas a informação quase não chega ao conhecimento da população, pelos meios de comunicação. Às vezes chega, mas sem proporção com os efeitos produzidos na prática judiciária.
Em parte, a omissão da mídia se deve ao próprio silêncio habitual da magistratura. Esta, sob a escusa de que não deve manifestar-se, ausenta-se dos debates do dia-a-dia da vida. Tem, assim, participação na culpa pelo desinteresse dos jornais e das emissoras. Mesmo quando lança manifestações oficiais -o defeito é antigo-, são produzidas em linguagem apenas acessível aos seus pares e, quando muito, a praticantes das profissões do direito. Não à sociedade em geral. Afastam o interesse que poderiam despertar.
A greve corresponde, em si mesma, a um paradoxo, pois os servidores da Justiça se sentem injustiçados pelos seus baixos padrões de rendimento, entre outros defeitos do tratamento que lhes é dispensado pelo Brasil afora. São influenciados, ainda, pelas más condições de trabalho. Amostras colhidas em várias unidades da Federação ou regiões, em que a atividade judicial se divide, são heterogêneas. Sugerem, ressalvadas algumas exceções, o traço médio significativo de que participar dos quadros administrativos do Poder Judiciário já não é motivo de orgulho profissional ou de efetiva integração na feitura da Justiça, da qual o povo carece.
Ao lado dos problemas da massa trabalhadora há os do congestionamento de Justiça. É o que se vê em "Acesso à Justiça", livro organizado por Maria Tereza Sadek (edição da Fundação Konrad Adenauer, 278 páginas), reunindo atenta avaliação de resultados de pesquisa sobre o Judiciário. Merece a leitura não só dos trabalhadores da área mas do público em geral. Um de tais dados mostra que a entrada de processos novos é maior do que o número de processos julgados. O congestionamento é crescente. Há déficit de juízes em todos os níveis. Faltam magistrados. No Estado de São Paulo há mais de 500 vagas. Resulta da pesquisa, mostrada por Maria Tereza Sadek, que nossa Justiça é muito receptiva para certas demandas e fechada para outras, impedindo o acesso dos pleitos da cidadania. As questões do funcionalismo e da magistratura devem ser resolvidas para que o Estado cumpra sua missão de fazer justiça. Nada será melhor para a paz social.


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